SABEDORIA DO CORAÇÃO

    Sabe o que o coração diante da razão ? Sabe o coração que não reflete, que se joga, se impulsiona por si próprio diante do vácuo,  do arrepio, da tenebrosa sensação de estar diante de um precipício ? Sabe o coração que chega na borda do abismo, perigoso, mas mesmo assim dá um salto no escuro e mergulha no vazio ? Sabe o coração que ele é o pai de todos os riscos ? e que em nome dele tantos desatinos e desapreços são praticados ?
   Sabe o coração que ele é a tecla de um piano antigo, a corda do enforcado, a lâmina da guilhotina, o olho do furacão, o núcleo da barricada , o marinheiro que perdeu as graças do mar, o céu da boca, o céu de estrelas do deserto infindo , o cheiro de um bolo de laranja no sertão da Mantiqueira, a água gelada da cachoeira bem vinda, a noite infinda num breu de medo , o choro do filho diante da febre e do escuro, o rito do acasalamento maduro , o desapego em relação ao futuro ?
    Sabe ser ele o coração uma porta entreaberta, uma vidraça escancarada diante do mundo, um poema inglês de Fernando Pessoa, um verso caolho de Camões, os pés de vulcões de Saramago em Lanzarote, as bananeiras de Garcia Marquez , os espelhos de Jorge Luis Borges, as paixões acumuladas de Vinicius de Moraes ? E se todos fossem iguais aos corações combalidos, os gritos ouvidos, aos sextos sentidos, ao cheiro de lavanda que cai sobre essa cama ?
   Sabe ser o coração um fim de semana de praia, uma falésia colorida, um peixe que sobrevive fora da água, um sargaço que prende o navio, um galeão assombrado de passado, uma possibilidade de cura, uma enorme frente que batalha pela paz, uma geleira que não derrete, um brilho fosco, uma água que escorre pela torneira da pia rumo a lavagem dos pecados  ?
   Sabe sim ser sábio o coração. Coração na boca, coração na mão, coração que pulsa no samba canção , coração que não atravessa o ritmo,que demarca a batucada, coração escondido no vão da escada, coração de papel flambado, coração de mãe , coração untado na manteiga divina, coração enigma maior de toda sina.

***
Ricardo Soares
3 de fevereiro de 2011

Comentários

DÉIA disse…
Adoro e escrevo poesias também, por isso vim até o seu espaço e gostei muito do que li por aqui tenho um blog Tb gosto d++ de poemas. E estou te seguindo Tb se VC puder da uma passada La no meu blog...Bejs Déia.........
Esse é o link do meu blog
http://wwwdeiablog.blogspot.com/
Claudia Ka disse…
É mais fácil escrever isto do que lidar com este jeito de sentir...
E eu sei muito bem disto.
;-)
Abraço.

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