CUNHA E A NATUREZA DO MAL

     

    Muitos de nós passamos a vida a buscar  paz. As vezes resvalamos nela . A cultuamos e mantemos. E quando a paz se traduz num local muitas vezes, egoisticamente, escondemos o recanto dos demais mortais para mantermos a nossa paz preservada. Comigo foi assim durante muito tempo em relação à cidade de Cunha, lindo recanto entre Guaratinguetá e Paraty. Escondi Cunha, escondi o bairro do Monjolo , escondi a pousada  Vale das Cachoeiras do meu querido e falecido amigo Claudio Faviere . 
       Cunha historicamente ficava na rota dos tropeiros que cruzavam o estado de São Paulo e talvez  sua localização geográfica tenha contribuido para se transformar num refúgio bucolicoo de paz, tranquilidade e muito verde. Me desprendi a duras penas da cidade após a morte do Claudio pois cada canto ali evocava a presença do querido amigo que dividia longos papos na varanda e sala de sua pousada que sempre acabavam recaindo em jornalismo e literatura. Nunca ali nos sentimos ameaçados por nada nem por ninguém. Cunha e todo aquele pedaço, seus fornos de cerâmica, seu deslumbrante artesanato, sua boa comida e acolhida ficaram para mim como sinônimo de sossego, vida cordial e paz, muita paz.
       Eis que um enredo bizarro, absurdo, brutal atropela nossos caminhos e foi dado com grande destaque na mídia por esses dias . O duplo assassinato das irmãs de Cunha, lindas jovens que foram mortas em circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas , por um demente. Mortas ali num recanto bucólico e rural semelhante ao que eu frequentava . Mortas estupidamente num cenário improvável e provando mais uma vez que a natureza do mal supera qualquer imaginação fértil de escritores do gênero horror como Stephen King, Clive Barker ou os lendários Poe e Lovecraft.
     Para mim o episódio é mais do que chocante porque conheço bem todo o cenário ali em volta. Não combina com ele essa barbaridade. Lamento por tudo, lamento por nós e sobretudo pelo povo rural de Cunha que nunca mais deixará suas porteiras inocentemente abertas e nem a porta de suas cozinhas sem tramela para que o visitante se achegue e tome um cafezinho na xicará de agata feito no fogão a lenha. Brutalidades como essa matam muita coisa. Sobretudo a inocência e o espírito desarmado que ainda vigoram em lindas cidades escondidas. Nunca mais Cunha será a mesma. Muito triste isso.

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