Ninguém me desloca o planeta vermelho


Por que o árido pensamento me envenena ?
ou a sombra em seu passado me condena
a não crer nos presságios do amor ?

é turva a água em que lavo o rosto
posto que não me limpo
e sei que sem nenhum afinco
não chegarei a bom termo

Tenho sede de paz de alma
e se nenhuma falsa rumba me acalma
é porque perdi a noção dos desvios

Os desvãos decaem em palavras
e essas malditas machucam

Me lanho nas pedras do Leme
invento noitas antigas de lua
onde jaz sua lembrança nua
envolta em meu anacrônico verso

Abro a cortina
a cortina tem forro
o passado é ferro quente
e o sol desmaia em poente

ao longe um trem remoto apita :
"sai da frente que atrás vem gente"
e a poesia despenca da varanda
cercada de plantas que se esforçam pra viver

sou um criador de sarjeta
um barbeiro de opereta
um jagunço de filme B
e os acertos que eu cometo ninguém vÊ

ninguém vê
o lado oculto do meu Marte
ninguém me desloca o planeta vermelho
ninguém além de mim está defronte ao espelho

Tenho sede, me resfrio
espirro pelo ruído do ventilador
uma gripe que não é minha

invento uma nova ladainha
para atualizar os meus dramas
e me deparo com meu cinismo de novela

eu lamento o meu erro
mas ainda mais o erro alheio
eu lamento meu tempo perdido
a perfuração do meu ouvido
a minha mazela

a minha sequela
que vem de vidas futuras
pois o passado é uma pena
e eu o reescrevo

no mundo não cabe poesia
no mundo não cabe relógio cuco
e nem telefone de fio

o mundo leva os meus bonés
os meus chapéus
e me deixa assim oco
sem cabeça
a me certificar que ninguém me desloca
o planeta vermelho...

                                                                ***
Ricardo Soares
29 de março de 2011

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