EU ME PAREÇO COM O BRASIL ?

    Por conta de um trabalho atual, que consiste em entrevistas com 20 pessoas notáveis em seu setor, tenho feito a elas a pergunta em comum : “como você se sente sendo brasileiro ? ”. É, aliás, uma das exigências do trabalho fazer essa pergunta a todos eles o que me remeteu inevitavelmente a uma outra questão aplicada a mim mesmo e a eles : “eu me pareço com o Brasil ?”.
    Talvez parecido com o Brasil eu sempre tenha sido. Nas minhas contradições, nos meus paradoxos , na minha pressa em resolver coisas sérias e em postergar outras coisas mais sérias ainda. Sou Brasil nos meus paradoxos, no meu trânsito lento, no meu calor anormal , na minha falta de paciência e na paciência infinda em ter que entrar nas filas da vida quando existem outros “brasileiros” que as furam.
   Sou o Brasil na minha mestiçagem, na minha parecença com quem veio antes de mim a descer de navios ou a sair de tabas ainda mascando o milho da véspera. Sou o Brasil porque as vezes me sinto um pária e noutras o rei da cocada branca. Também o sou porque por mais que queira parecer desenvolvido levo dentro de mim um subdesenvolvimento que me faz bem na medida em que coloco muitas vezes o coração antes da razão. Raciocino com a intuição e não com o cálculo, arrisco no tempero e mesmo que eu erre na receita na maioria das vezes dá para almoçar direitinho.
    Pareço o Brasil porque também sou cachaça, torresmo e bolo de aipim. Sou freguês de rima barata, adoro dramalhão na canção e posso misturar frango com polenta a quibe e tabule. Sou meu país pois não passo sem café, arroz- feijão, beijo, abraço, aperto de mão. Também o sou pois posso ser fugaz ou malemolente, posso ser moroso ou urgente mas me perco em saudosismos épicos quando vejo um trem antigo passar.
    Pareço o Brasil pois as vezes quero entrar no primeiro ônibus que passa mas muitas vezes quero parar o mundo para descer pois como o meu país eu sou único e isso não quer dizer que eu seja bom , ou “o bom “. Mas sou único como aquela única fatia da laranja, aquele único e ultimo bolinho de chuva que sobrou dentro do tacho e a possibilidade de sempre ao invés de ter certezas concluir apenas : “eu acho”. Isso é ser mineiro ? Não é ser brasileiro ?

***
Ricardo Soares , 3 de abril de 2011

Comentários

MAETOMBADA disse…
legal RICARDO. adorei.
Muito bom Ricardo!
Sempre acompanho você aquiii,
sempre me fiz essa pergunta se me pareço com o Brasil...
seu texto me deu um embasamento tremendo para saber responder...

Parabéns!

http://tentandodescobriroporqudascoisas.blogspot.com

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