QUEM SABE...


Quem sabe...

Quem sabe o que sou /o que fiz/o que tenho
quem sabe minha centelha/minha franzida de cenho
quem sabe minha aglomeração interior/meu destemor
meu coração na boca

quem sabe o cheiro de fubá que desprende da cozinha
o fogão a lenha
a cantiga de ninar ao luar, sozinha

quem sabe o fio solto
o livro de cabeceira
quem sabe a consumação da asneira
o fiofó do guarda
um poema manchado de licor

quem sabe a nuance da cor
ou o gato asmático
quem sabe o som, o sim, a saudade sem idade

quem sabe tudo isso embutido/embalado
quem sabe migalhas de pão italiano na relva
quem sabe a selva que nos habita
a cidade que nos abandona

quem sabe o ônibus sem porta
a Inês pra sempre morta
um enterro no cemitério do Caju
um dia de sol no Arpoador
um bago de feijão num copo d'água

quem sabe a mouraria torta
o trem que passa vazio
o coração do gigante
ao não soltar um pio

quem sabe o frio, o medo
a barganha
quem sabe o que sou /o que fiz/o que tenho
de onde eu vim jamais eu venho...


***
Ricardo Soares

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