Vic Parisi e uma gratidão Transamazônica

    
    Hoje completa-se exatamente 30 anos. No dia 5 de julho de 1981 eu quase morri na Transamazônica.Coincidência que eu tenha achado aqui a bela foto do fotógrafo Vic Parisi (abaixo) nos meus guardados exatamente hoje quando o acidente completa três décadas. Vic foi mais que um companheiro naquela jornada. Foi um cumplice que foi além de suas funções para realizar o meu trabalho depois que me acidentei.

   Eu trabalhava então na revista "Boléia", dirigida aos caminhoneiros do Brasil, publicada pela Bloch Editores , a mesma de "Manchete" , "Pais e Filhos", "Ele & Ela", "Fatos e Fotos" e outras publicações. Éramos da turma que trabalhava na sucursal de São Paulo que ficava em uma redação nos fundos da luxuosa "Casa da Manchete" na avenida Europa. Um exército de Brancaleone obreiro e romântico com personagens que dariam crônicas impagáveis, gente em extinção pelo caráter e pela competência. A exceção talvez fosse apenas o diretor geral da Bloch em São Paulo, canalha antológico, que alimenta hoje tantas histórias lendárias de servidão, submissão e venalidade por aí. Mas essa é uma triste história que aqui não cabe contar.
    Cabe lembrar que naquela época eu viajava então em longa jornada de  São Paulo a Belém seguindo um reluzente caminhão N10 da Volvo então recém-lançado. A própria empresa disponibilizou um Passat marrom quatro portas para que a gente seguisse a imensa carreta que percorreria os caminhos do norte do país. No tal 5 de julho paramos num trevo ermo, quente, quase na confluência da Belém -Brasília com a Transamazônica. Era um lugar atípico onde existia um casinha onde se lia "Buite das muié bunita" registrada em  foto impagável do mesmo Vic e que infelizmente não tenho. A tal casa funcionava como lupanar de noite e como restaurante de comida caseira de dia. Ali almoçamos e a equipe toda (que era composta além de mim e do Vic por um técnico da Volvo e o motorista da carreta) deitou em redes à sombra de frondosas árvores.
   Eu estava preocupado com o horário e para espantar o banzo peguei o Passat , sai da Belém -Brasília e entrei na Transamazônica, como sempre em péssimo estado de conservação. Rodei algo como meia hora num calor insuportável em busca de um local onde pudesse levar a carreta da Volvo para ser fotografada em lugar idílico na selva. Foi quando me deparei , ao alto de um aclive ,com uma gigantesca nuvem de mutuns. Já haviam me contado que isso era possível mas quando você se depara com uma nuvem de mosquitos vindo em sua direção se apavora. Retornei o Passat e segui em velocidade inadequada de volta ao trevo da Belém -Brasília. Foi quando cruzei (literalmente) com uma enorme pedra no meio do caminho que eu não percebera na ida. Ao tentar desviar só me lembro de ter perdido o controle do carro e ter pensado numa fração de segundo: " Estou fu..."
     Devo ter acordado dia e meio depois num hospital em Tocantinópolis. O Passat capotara várias vezes, eu e o carro despencamos de uma ribanceira de 6 metros e escapei por milagre, poupado pelo destino de ter perdido a vida com tenros 22 anos recém completados. Fui salvo por um jipe dirigido por dona Sara, dona de um posto único de gasolina ali nas cercanias, que me levou com os companheiros ao hospital onde despertei dia e meio depois do acidente.
     Contei essa história incontáveis vezes nesses anos nesse mundo afora, inclusive em palestras para jovens jornalistas. Mas nunca a tinha registrado por escrito como faço agora usando como mote uma tardia homenagem ao querido Vic que não vejo há tantos anos . E por que faço isso tardiamente ? porque o Vic após o acidente, fora o cuidado que teve comigo no hospital, pegou meu caderninho de anotações e foi aos locais onde eu deveria ter ido se não tivesse me acidentado para conversar com os personagens que me interessavam. Mais que exemplo de solidariedade e companheirismo Vic (que hoje é fotógrafo e pastor) pôs em prática um espírito de equipe que hoje é cada vez mais raro de se ver nas redações contemporâneas infelizmente esvaziada de preceitos éticos e assemelhados. É um salve-se quem puder onde cada um joga pra si e subordinados sacaneiam subordinados subjugados por chefetes jovens e histéricos. Lógico que existem as exceções mas não apenas por saudosismo posso lhes garantir que as redações do passado eram mais saudáveis.
    Por tudo isso meu caro Vic, meus caros ex-colegas, meus prezados leitores eu lhes digo : me arrependo mesmo de ter demorado tanto para escrever tudo isso. Vic e sua placidez, revelada nessa foto acima, mereciam essa tosca homenagem muito antes de eu completar 30 anos desse desventura amazônica. 

     

Comentários

grassi disse…
PARABÉNS PELA MATERIA, CONTA MAIS DAS REPORTAGEM REALIZADAS E POSTE AS FOTOS.

GOSTOMUITO DE MATERIAS RELACIONADAS COM A TRANSAMAZONICA. NO POSTO DE DNA. SARA, FICAVA OS INDIOS VENDENDO ARTESANATO.

ABRAÇO.

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