A sensação do náufrago

     
    Nós não temos tanta certeza quanto tínhamos ontem. Talvez também nos reste menos fôlego ou as esperanças minguem  quando olhamos todo dia o triste não milagre da multiplicação dos congestionamentos e dos não cumprimentos das mínimas leis de civilidade.
    Talvez desanimemos quando notamos que o vizinho entra no elevador e não nos dá bom dia e já se enfeza ao retirar seu carro da vaga na garagem. Talvez soframos com a criança cheirando cola ou o velho na mendicância e meia dúzia de intelectuais pedantes esgrimindo um conhecimento inócuo num programa inócuo numa emissora de televisão que ninguém vê.
    Talvez lamentemos ao notar que pregamos no deserto e que não pegamos nenhuma causa justa pela qual valha a pena lutar. Talvez esqueçamos nossos objetivos, os lindos mistérios que formam o conjunto do mundo,talvez até nos esqueçamos de como se contam estrelas ou de como se jogam pedras na lagoa. Mas à noite ainda sonhamos e ali,dentro da tênue plataforma dos sonhos,submersos ou não em nós mesmos, quase nadamos nessa placenta etérea  (formada muito mais de luz que de matéria) e quase imaginamos que todos nós,um dia,vamos sobreviver ao naufrágio.

Comentários

Postagens mais visitadas