O desfiladeiro do jornalismo perdido

     Pode não ser precisa a visão de quem desceu da carruagem. Por outro lado, justamente porque desceu dela, a visão pode ser mais isenta. A carruagem parte e o ex-passageiro a observa.Assim me sinto em relação ao jornalismo , sobretudo o diário. Desci da carruagem faz tempo quando ela não havia entrado no desfiladeiro sinuoso e sem volta da ausência de critério, das partidarizações, da defesa mal disfarçada de interesses escusos de grupos que pouco a pouco levam a carruagem para o abismo.
    Não digo que tenho vergonha alheia em ver onde essa carruagem chegou pois isso embutiria uma presunção que não quero transmitir. Não me sinto mais que meus colegas. Mas não me sinto menos por ter deixado a carruagem partir.Sinceramente tenho piedade de alguns deles já grisalhos e com cabelos ralos que engessados em ternos, gravatas e formalidades passam os seus dias e noites a colecionar denúncias e maldades contra os desafetos que muitas vezes só são desafetos porque partilham ideais políticos distintos.
     De novo, com o advento do julgamento do mensalão,a gente lê argumentos torpes de ambos os lados num eterno festival de execrações e maledicências para legitimar ora uma teoria tucana, ora uma petista.Porque, sejamos sinceros e vamos dar nomes aos bois,os defensores do tucanato ou do petismo transformaram a mídia não no já mencionado Fla-Flu político mas numa briga de torcidas uniformizadas, quando não num confronto de gangues onde está valendo qualquer golpe baixo,calúnia ou acusação sem provas para esculhambar um adversário. O trágico disso tudo não é um exagero, mas uma constatação : não existe mais imprensa confiável nesse país e pensar de maneira independente passou a ser sinônimo de alienação. A que ponto chegamos. O livre pensar não tem lugar.
     Mais que tudo o que me impressiona é observar alguns profissionais até talentosos e inteligentes a se emporcalharem nesse marshmallow gosmento que gruda nas suas já combalidas reputações. Alguns desses profissionais comandaram redações, corações e mentes mesmo que de maneira equivocada. Ou seja, experiência não lhes falta´. Daí ser absurdo não enxergarem que levam a carruagem para um precipício.
      O jornalismo não me dá mais prazer faz tempo. Quando o pratico é por necessidade, aquela velha questão do sapo pular por precisão e não por boniteza como dizia o mestre Guimarães Rosa. O jornalismo virou show,virou competição, tragédia, virou mentira vendida como verdade o que levou embora  de roldão uma leva de jornalistas decentes que ainda  acreditava na profissão como missão. A maior tragédia dessa decomposição da massa jornalística foi justamente assassinar sua credibilidade sempre em nome de uma (má) causa.Nunca imaginei que fosse ver isso nem nas minhas mais pessimistas projeções de futuro.
     Assim, há que se reinventar. Eu e muitos. Já sem o mesmo ânimo, já com as ilusões perdidas, já cético especialmente quando se observa o ralo manancial ético de muitos jovens profissionais ciosos por servirem sem questionar a ideais corporativos lamentáveis. São tempos duros. De fim de utopia,de pragmatismo , de servidão absoluta ao  deus mercado colocado num altar inviolável e blindado.
    O jornalismo deixou de ser gênero para virar um instrumento de promoção de pessoas e marcas. Não é preciso saber escrever para exercer o ofício. Antes de mais nada é preciso saber se promover e alavancar a marca ou o ideário a que o profissional serve. Daí que tudo agora é corporativo onde paradoxalmente pouco é coletivo pois o que vale é jogar pra si primeiro, de preferência  junto com a causa a que se serve.
   Eu desci da carruagem e não me arrependo.Sucede que agora, sentado à beira do caminho, me sinto como na canção do Roberto com o Erasmão : "preciso lembrar que eu existo". E que resisto apesar de que hoje toda resistência é recebida com sorriso de chacota. Aderir e não resistir é o verbo da moda.   

Comentários

Anônimo disse…
Simplesmente... Real!!! A realidade que se vive hoje no teu Brasil, Ricardones, vivemos com ela há séculos em África!!! Consegues imaginar agora o que é viver num país em que o jornalismo tomba diante do poder político, não é!!! Só mesmo viver já a base do conformismo!!!
Estamos Juntos!!! Bruno Constantino!!!
nelsontucci disse…
Perfeito, Ricardo. Assino embaixo.

Abs
Jaime Guimarães disse…
"O trágico disso tudo não é um exagero, mas uma constatação : não existe mais imprensa confiável nesse país e pensar de maneira independente passou a ser sinônimo de alienação. A que ponto chegamos. O livre pensar não tem lugar."

A que ponto chegamos, infelizmente. E hoje os chamados "formadores de opinião" na imprensa, com poucas exceções, preferem o "senso comum" - é mais fácil. Uma pena.

:(
( Somos de áreas diferentes, mas entendo bem o que você diz. Penso que talvez sejamos da mesma tribo )

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