Réquiem para o Jornal da Tarde

     Hoje faz muito calor , as pessoas discutem a validade (ou não) de se comemorar Halloween, o prefeito eleito beija as mãos que deve beijar, a Fashion Week começa com suas futilidades metidas a importantes , uma super tempestade machucou Nova York , a capital de alguns pseudo-paulistanos, os carros se engolfam num mar de congestionamentos turbinados por IPI zero e mais uma vez abrem shoppings e fecham jornais. Dessa vez o outrora paulistaníssimo "Jornal da Tarde" que apesar de ser apenas sombra do que era continuava respirando por aparelhos.
      Muita gente diz que a data de hoje ficará na história da imprensa. Temo que não. Mas enfim não é essa a discussão, A discussão ( ou ausência dela) é de novo reparar que mais uma vez colidimos com uma realidade que poderia ter sido evitada mas não foi. Morre o JT e com ele se vai mais um pouco do culto a um conteúdo perdido quando cada vez mais os jornais chafurdam num pragmatismo de gráficos, números, resultados, pesquisas , prognósticos, tendências e culto aos resfriados e miasmas de qualquer celebridadezinha de meia tijela. O jornalismo não se dá mais ao respeito. O jornalismo está morto e precisa se reinventar e a morte do JT é apenas mais um sintoma disso.
      No quase cínico editorial de hoje onde anuncia seu próprio fim o JT  diz que "sai de cena hoje para entrar para a história do jornalismo brasileiro na muito rarefeita  categoria das utopias realizadas". O que quis dizer o editorial ? que as utopias não são mais possíveis mesmo ? ou que simplesmente o sonho acabou ? e que Babel é essa que o editorial prenuncia  ? uma Babel onde a velocidade sem rumo e direção supera todos os dias a reflexão , a análise , o equilíbrio ? o que vale é a novidade pela novidade ? o que vale é velar nossos ideais e partir pra o que é possível ?
     Temo que esse clima de velório em torno da morte do JT só comova uns poucos mesmo. Aqueles que testemunharam como trabalhadores ou leitores de muitas aventuras criativas do JT. Eu fui leitor fiel. Colaborador mais ou menos esporádico seja como resenhista de livros nos anos 80 e 90 ou como cronista no começo do novo século. Tenho lembranças doces e divertidas da turma do outro lado do corredor do Estadão. Colegas queridos que se amontoavam na editoria de artes e espetáculos comandada pelo Edison Paes de Mello . O saudoso Edmar Pereira e mais Leão Lobo, Olney Kruse, Regina Ricca, Carlos Hee, Wilson Roberto Santos ( Watusi), Cris Giometti, César Giobbi e tantos outros. Isso sem falar da minha querida Maria Amélia Rocha Lopes que admirava como leitor ( inesquecível um perfil que ela fez do Gonzagão)  e de quem depois me tornei amigo nos primórdios do programa Metrópolis da Tv Cultura. Também poderia citar o ex- secretário de redação Ivan Angelo , o trepidante e saudoso Marcos Faerman, o Percival de Souza, Fernando Portela, Castilho de Andrade , o notável e inesquecível  Leo Gilson Ribeiro e tantos outros. Devo estar cometendo aqui muitas injustiças. Sucede que cada um tem dentro de si um Jornal da Tarde inesquecível.
      O poeta e jornalista Heitor Ferraz escreveu hoje , com precisão , que o Jornal da Tarde não morreu hoje. Já tinha morrido faz tempo com sua mão de obra mal paga e sua falta de rumos e caminhos editoriais. Talvez ele esteja certo. No entanto o fato dele estar morto mas circular era um alento. Agora, sem circular, só aumenta o vácuo que a gente vê no sol nas bancas de revistas. Quem afinal lê tanta notícia imbecil , vaga, manipulada e inútil como as que pululam por aí ? quem lê tanto texto mal escrito, mal apurado, mal pensado ?  Numa época em que chamam todo defensor ambiental de "ecochato" e todo defensor da cultura nacional de "xenófobo rancoroso" não me importo com a peja de saudosista. A morte anunciada do Jornal da Tarde não era tão triste quanto a morte real. Não estou de luto pelos Mesquita mas pelos caminhos que deixaram de ser trilhados e que nos levaram a essa triste encruzilhada de uma imprensa parcial,manipulada e cada vez mais sem credibilidade.  Foi-se mais que uma parte da história da imprensa brasileira .Foi-se mais uma dose generosa de utopia. Se ela foi realizada como diz o editorial de despedida argumento que ficou incompleta. Eu e muitos queríamos que o filme tivesse terminado de outro jeito.

Comentários

Bodes do Brasil disse…
Ricardo Soares, seu texto é o retrato em história. Parabéns.
Miguel Filliage disse…
Ricardo, muito inspirado seu texto. E maduro. E com a sabedoria daqueles que já ralaram bastante e aprenderam com as experiencias.
Ricardo Soares disse…
João Noronha e Miguel Filliage...muito grato pela deferência...fui apenas mais um a escrever sobre o triste fim do JT. O triste fim de uma época...abss

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