A síndrome dos síndicos no jornalismo




      Talvez seja tarde demais para Freud me ajudar mas sempre tive um problema visceral com síndicos em geral.  Geralmente os síndicos, sejam lá o que eles devam supervisionar ou organizar, são as pessoas mais chatas, mais caretas, mais controladoras e mais autoritárias do agrupamento social do qual fazem parte. Isso é a principal credencial para que se tornem síndicos. Eles tem a estranha visão de que progresso só se faz com ordem na visão mais milica da palavra. Não é a toa que invariavelmente síndicos dos prédios sejam capitães, coronéis, delegados do pedaço. Geralmente os de pijama. Estão aposentados e apoquentados. Querem apoquentar alguém. Pior, são votados pelos próprios condôminos que depois passam a reclamar deles.
Poucos de nós não temos episódios para contar ao redor dos síndicos de nossa vida. Eu mesmo tenho uma meia dúzia. São tão bizarros que nem vou cansar a beleza de vosmecês com o relato. Só resumo dizendo que os síndicos talvez se inscrevam na categoria do mal necessário pois se são uns pentelhos ( que exercem os cargos ou pelos pequenos poderes ou pela isenção das taxas de condomínio) por outro lado dão uma arrumada na casa se atendo a temas e fatos para os quais temos a maior preguiça. Mas cobram preço alto por isso. Principalmente torrar as nossas paciências com os seus xiliques autoritários.
Pois não é de hoje que o jornalismo brasileiro foi acometido por síndicos. Como não sou acadêmico não sei precisar a data em que eles começaram a aflorar com mais contundência mas talvez coincida com a aparição dos tais "manuéis" de redação , essa camisa de força horrenda que encurralou a criatividade dos textos  em nome de uma praticidade que foi desidratando a palavra a tal ponto das reportagens se parecerem com boletins de ocorrência. Hoje ninguém mais sabe escrever direito mas isso não tem a menor importância a ponto de algumas horas atrás eu ter lido estarrecido a "desculpa" de um jovem repórter aos seus leitores de que não tinha fornecido o endereço de uma cooperativa de reciclagem, alvo do seu texto, porque isso fica fácil de fazer com o Google.  Não consegue ser cômico porque é trágico mesmo. E isso sequer se constitui numa exceção. Isso é a regra.
Seria crueldade de minha parte dizer que as mazelas do jornalismo se devem aos síndicos mas, convenhamos, eles contribuiram bastante para transformar a profissão nesse treco maçante a serviço de grupos, interesses, corporações e partidos.  Enquanto isso os síndicos prosperaram, viraram referências no mercado ,dão palestras e são cotados como "seniores" nesse território árido onde o livre pensar fica só na internet. Quando fica.
  Mas também na internet os síndicos estão vigilantes. Afloram como cactos no deserto das idéias, finas flores das obviedades estilísticas , e querem monitorar o que qualquer grupo fala ou discute. Recentemente fui alvo de dois síndicos. Um deles é amigo de amigos  e eu considerava meu amigo.  Foram anos de convivência pessoal e principalmente virtual num pequeno grupo de discussão até que o fubá desandou quando respondi agressivamente a uma saraivada de agressões do sujeito. Não deu outra. Fez beicinho, ameaçou sair do grupo , fez um harakiri virtual e depois disse que voltaria ao grupo se eu saísse. Como ele era o síndico sai de rabinho entre as pernas para não constranger os verdadeiros amigos que continuam a ter comigo pessoal e virtualmente .
Caso mais recente e intrigante ocorreu num grande grupo de jornalistas no Facebook ( quase 12 mil)  ao qual eu fui agregado faz um tempo e no qual pouco posto. Mas outro dia compartilhei com os colegas uma pequena historieta do meu "Diario do Anonimato do Mundo" que vem sendo publicado pela revista Pessoa na Internet. Uma história por dia. Cada dia um lugar do mundo. A historieta em questão se passava na Libéria e o síndico do grupo não gostou. Puxou minha orelha, fez cara feia, ameaçou deletar a postagem justamente num grupo onde as pessoas falam de tudo , até de manicures, mas também de jornalismo. Mas o síndico puxou assunto comigo. Talvez eu atraia esse tipo de mala. Fato é que ele, muito didático ( os síndicos costumam ser didáticos) me fez o favor de explicar que apesar do grupo ter crescido ele tinha regras desde o inicio e blá-blá-blá. Despejou um bolodório de chatices restritivas . Só faltou conceber também um pequeno "Manuel" de redação para explicar o estilo ( ou ausência de ) com o qual devamos nos expressar no seleto grupo.
Pois assim é. Muitas vezes jornalistas ,mesmo quando tem a possibilidade de escrever de um  jeito  livre, leve e solto  preferem se ater às amarras que os patrões e as regras sempre lhes impuseram do que arriscar voos. Reflexo condicionado ora pois. Como não me sinto fazendo parte de um gado que o síndico-boiadeiro tange prefiro com o devido respeito continuar  a reivindicar a minha absoluta antipatia aos síndicos de toda ordem. Que organizem os almoxarifados, ok. Mas que deixem espaço para que a gente derrube  os cafezinhos da garrafa térmica.  
   

Comentários

Altavolt disse…
Realmente, este espaço literário tem funcionado para mim como refúgio e oásis nos últimos tempos. Não sei se é devido à chegada da idade, mas eu também estou ficando ranzinza e reclamão no bom sentido (Penso eu). Por isso, e por essa sintonia, tenho adorado as suas abordagens e pegadas bastante pungentes e honestas em relação aos temas aqui debatidos e postos em pauta. Eu, que tenho em meu blog o quixotesco lema de "batalha insana pela hipocrisia zero" não poderia deixar de me identificar tremendamente com os textos sinceros, diretos e que cortam na própria carne produzidos pelo (permita-me) amigo!

Grande abraço,

Altamir

PS.: Tenho saudades dos tempos em que o programa Metrópolis era apresentado por você, pela Maria Amélia e pelo Cadão Volpato. O programa ainda é muito bom, mas naquele tempo havia uma dose maior ainda de credibilidade e verdade nas matérias.
Ricardo Soares disse…
Altamir, agradeço o apreço e fico feliz em saber que esse modesto blog é um oásis. Também gentis suas palavras em relação ao passado do programa Metropolis...por pessoas generosas como vc que a gente não desiste da empreita...absss

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