A ARTE DE LER LIVROS AOS 50

         Uma vez, finais dos anos 80, chegou às minhas mãos para publicação um artigo do jornalista Tão Gomes Pinto chamado " A Arte de Ler Jornais" . Me foi encaminhado pelo finado e saudoso Andrea Carta, dono da Carta Editorial ,que publicava a Vogue ( então dirigida pelo amigo Marco Lacerda), a Casa Vogue ( editada pela amiga Fernanda Cirenza) e a HV ( Humor e Verdade) dirigida por mim.
     O artigo leve e bem pensado do Tão "ensinava" como ler jornais naquela época quando, enfim, havia o que ler neles. O articulista sugeria que a gente lesse determinado caderno do GLOBO junto a determinado caderno do ESTADÃO e arrematava com a leitura de um caderno tal da FOLHA com um outro do JB. Esse híbrido, a soma dos vários cadernos melhorzinhos, compunham o jornal ideal, misto impossível hoje em dia conforme sabe qualquer estagiário de jornalismo menos o bom moço Gilberto Dimenstein que considera o jornalismo brasileiro em grande forma hoje em dia.
     Quero aproveitar o mote do artigo remoto " A arte de ler jornais" para arriscar um pobrezinho " A arte de ler livros aos 50". E o caso é o seguinte : desde que nos damos por leitores o nosso gosto muda como o paladar. Há épocas em que você aprecia o vinho branco e dobradinha .Em outra época pode abominar. Mais jovem você aprecia sardinhas a escabeche e mais velho pode gostar de bacalhau a Gomes de Sá. Pois isso se dá também com nossas leituras.
     Vou poupar os leitores dos meus hábitos e gostos do passado não porque me envergonhe deles mas porque o foco aqui é a arte de ler livros aos 50. Mas aviso que já fui mais "novidadeiro". Lia quase todos os lançamentos por convicção e precisão , sobretudo os nacionais, porque era repórter e articulista de segundos cadernos e metido a resenhar livros. Isso sem falar do tempo em que apresentei e dirigi programas de literatura para a televisão entre 1998 e 2005. E sem contar a fase inicial do programa "Metrópolis" entre 1988 e 1990. Por conta disso ganhei e comprei muitos livros e formei uma razoável biblioteca. Muito trigo, algum joio. Muita relíquia autografada por autores notáveis e muita moeda falsa porque a literatura cada vez mais é uma questão de marketing e mercado e não de qualidade. Mas isso é outra prosa.

     Dizia eu que fui mais "novidadeiro" porque também era dever de ofício embora eu achasse que entre tantas "novidades" eu fosse achar pérolas. Ledíssimo engano. Tão ledo que dá medo. Os anos foram passando e eu fui vendo que a maioria das novidades não dava no couro. Muito louro falso, muito marketing editorial e pessoal a tentar transformar talentos pífios em músculos literários. Pouco vingou e pouco vai vingar , essa é minha modesta constatação. E dela vem a mudança gradual nos meus hábitos de leitura. 
     Passei a achar menos pedante as declarações de gênios como Borges que dizia que o vital era ler e reler os clássicos e numa derivação desse tema fui prestando cada vez menos atenção nas novidades - vernissages de obviedades- e mergulhei principalmente em clássicos e livros fundamentais que não tinha lido. Poderia citar uma penca aqui mas fico com a leitura tardia das memórias de Érico Veríssimo ( Solo de Clarineta I e II) , o "Quarup" de Antonio Callado, o "Pedro Páramo" de Juan Rulfo, " A Guerra do Fim do Mundo" de Vargas Llosa ou "Henderson , o Deus da Chuva" de Saul Bellow. Na lista também muito Norman Mailer, Kapucinski, Paul Theroux, Tom Wolfe, Carlinhos de Oliveira, Dostoievski, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, David Nasser, Joel Silveira e por aí vai.
     Não me julguem afetado leitores. Apenas um descobridor do óbvio. O mercado empurra você para a novidade e na maioria das vezes a novidade tem pouco a lhe acrescentar. Muitas vezes umas 50 novidades não valem um livro de Érico Veríssimo, por exemplo. Fato é que quando a mídia só se ocupa das novidades deixa de recomendar o fundamental. Não há tempo para a novidade passada- que já ficou velha - e aí te jogam toneladas de novidade presente. Por isso vejo com muita simpatia espaços como o da revista virtual de lusofonia , "Pessoa", que dá espaço para a reflexão de livros que são fundamentais e não estratégias de mercado.
     Mas o pior de tudo isso é quando a mania da novidade impregna os escritores contemporâneos. Sobretudo os brasileiros que acabo por acompanhar mais. É um tal de "caras e bocas", de frases feitas, de poses erráticas para se mostrar original que chega a dar pena. Por que ? porque grande parte dos escritores brasileiros contemporâneos não leem seus contemporâneos quanto mais aqueles de décadas passadas. Para muitos nomes como Lúcio Cardoso, Mario Palmério, Campos de Carvalho, Cyro dos Anjos, Antonio Olavo Pereira, José Lins do Rego, Raul Pompéia, Roberto Drummond, Oswaldo França Jr. , Antonio Callado e mesmo os muito falados Guimarães Rosa e Clarice Lispector são esfinges não decifradas. Logo a parca literatura atual é devorada porque repete sem talento o que já foi feito. E os autores sequer percebem que se repetem porque não leram o passado e o repeteco fica ruim, ralo, releitura tosca quando é releitura. É um tal de neguinho querendo fazer livrinho de crise de relação ou de violência urbana para virar logo filme nacional ruim. É um tal de mocinhas comportadas tentando copiar a prosa de Raduan Nassar ou barbudinhos marrentos querendo dar de Rubem Braga da Paulicéia. É uma patuléia que no geral dá um baita sono .
     Para não ser deselegante não vou enumerar as raras exceções nesse nosso ralo manancial de talentos literários brasileiros.Posso apenar assegurar que, leitor cinquentão, acredito que a maioria deles não vale um parágrafo de escritores inventivos e originais. Se tem tanto imitador de John Fante e Bukowski vou direto à fonte. Fora que a literatura brasileira virou a praia dos almofadinhas. Todo mundo é bom moço para não contrariar a política editorial vigente. Todo mundo quer notinha na Folha e Estadão para,quem sabe, descolar uma boquinha na Flip ou Frankfurt. Talento que é bom noves fora. E ainda esculacham os raros boca rotas que se atrevam a uivar como o talentoso Marcelo Mirisola, estigmatizado como "enfant terrible".
     Escrevi derivações sobre o mesmo tema com o risco de ser chamado de presunçoso. A essa altura , com mais de 50, pouco importa. Após tanta indigestão de literatura ruim que tive que provar venho apenas defender que o bom mesmo é escrever sobre a "arte de ler livros aos 50". Você pelo menos se certifica de que já sabe como não pisar em terreno minado. Vamos ao fundamental.

Comentários

Postagens mais visitadas