Sem lugar no trem expresso ?

 
      Diante do túmulo do soldado conhecido, no caso mais um amigo que tombou diante da trincheira, lanço um farol retrovisor  em direção ao passado para iluminar os possíveis caminhos errados. Chove. Dia feio como convém aos dias fúnebres. Mas não quero aqui fazer um elogio ao funesto, ao imprevisível, à fatalidade. Quero apenas, diante do amigo morto, rever meus próprios pedaços que ficaram por aí, a esmo.
      É ligeiramente dramático dizer  que me posto diante da trincheira onde tombou mais um amigo. Dramático sim. Mas não estamos afinal numa guerra ? Inclusive com nós mesmos ? Minha geração acreditou em ícones e postulados que agora jazem desvalorizados. Esquecidos. E ressuscitar diante da nova ordem passa a ser cada vez mais difícil .Somos zumbis de uma outra era  sem lugar nesse trem expresso que nos leva a destino ignorado.
     São tempos difíceis reconhecia outro dia uma amiga. Eu e ela diante de um copinho de cachaça em pleno almoço de uma sexta- feira a saudar o amigo morto  que abriu esse relato. Tempos difíceis onde é difícil envelhecer, difícil amar, difícil acreditar. Tem gente demais nos mesmos espaços e muita gente sem ética alguma  a pisar em pescoços alheios para galgar posições nas escalas sociais.
     Não vemos a juventude com desconfiança. Diria até que a vemos com esperança. Mas sucede que ao cedermos espaços aos mais novos, ao abrirmos caminho  para eles, as vezes nós perdemos os nossos e as contas ainda vencem todos os meses. Não temos e não queremos aposentadorias. Temos o que acrescentar mas talvez não queiram mais nossos acréscimos. Sinceramente, diante do túmulo do desse soldado conhecido que só se alimentava de poesia e de cachaça , me sinto um estilhaço de outro tempo tentando arrumar um cantinho nessa atual viatura. Me espremo, me ajeito, me desajeito, mas não vou na janelinha. Mas como não nasci para apenas contemplar a paisagem não resisto à tentação de continuar interferindo nela. Mesmo diante do túmulo do soldado conhecido. Ou justamente por estar diante dele. 

Comentários

Altavolt disse…
Grande Ricardo,
Sou suspeito para falar, porque tb sou da sua geração, mas fiquei emocionado com o seu texto. Colocou no papel o que eu também venho sentindo há alguns anos. Ninguém quer a nossa contribuição ou opinião, mas fomos forjados em uma época em que era comum e necessário opinar e se manifestar. Porém, as novas levas de passageiros desse trem da modernidade, os Y's, não parecem se interessar pelo passado nem pelas histórias da nossa ultrapassada geração X. De qualquer forma, procuro fazer como o amigo - que aliás, pela tarimba e anos no jornalismo o faz com muito mais competência -, procuro escrever sobre os percalços que a celeridade desse trem moderno põe em nossos caminhos. Esteja certo de que nós também somos muitos, e não estamos tão combalidos quanto tanta gente gostaria que estivéssemos. Ainda vamos dar muito trabalho, caro Ricardo.

Grande abraço!
Ricardo Soares disse…
ainda vamos, espero, dar muito trabalho e ter muito trabalho...absss meu caro

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