MEU DIA DE AGENTE SECRETO NA COPA DO MUNDO

  
O Camaronês que eu não descobri o nome. Eu segui quem era seguido. 
  É provável que no momento em que você ler essas mal traçadas linhas o resultado do jogo Brasil e Camarões já seja conhecido . Mas esse é o risco da crônica : muitas vezes morrer mesmo antes de ser lida. Ainda mais na efemeridade das palavras e imagens com os quais nos bombardeiam todos os dias. Mas deixemos de digressões e vamos aos fatos, ou melhor, às trivialidades.
  Levantei cedo na manhã de domingo brasiliense e depois que minha irmã e cunhado partiram para Belo Horizonte,após breve visita, peguei a bicicleta e fui rodar dia lindo adentro. Durante a semana, e ainda mais no domingo, Brasília é um presente para os ciclistas. Tem muito chão para pedalar em ciclovias bacanas que estranhamente os nativos pouco usam dando preferência ao automóvel. Pedalei pois pelo Eixão , sentido sul, e peguei desvios e mais desvios rumo a cidade fantasma adentro que é no que Brasília se converte ali no setor de autarquias e ministérios. Andei pra cima e pra baixo, fotografei prédios e ruas desertas. Inclusive dois prédios que parecem pertencer a ANATEL  e  que levam o nome de dois sujeitos pra lá de polêmicos na política nacional. Já falecidos e esquecidos mas ali estão com seus nomes gravados sobre a pedra : Luis Eduardo Magalhães e o ex- ministro e divisão Panzer dos tucanos : Sérgio Motta. Agora, não resisto, só à guisa de provocaçãozinha básica, já imaginaram se o governo petista desse o nome de Luis Gushiken a um desses prédios ?                  Voltando ao passeio ciclístico do domingão acabei por chegar ao  estádio Mané Garrincha às dez da manhã. O belo mostrengão imponente com seu entorno deserto àquela hora. Cenário bem distinto do que vai se ver nessa segunda onde só torcedores abonados e “diferenciados” vão poder assistir ao que muitos de nós queríamos ver. 
    Defronte ao estádio vários torcedores brasileiros chegando e indo embora, num curioso reconhecimento do terreno. A maioria desses torcedores se aproximam de um camaronês simpático , todo paramentado com as cores do seu time, e pedem pra fazer fotos ao lado dele. Cortesia que nunca é dispensada quando se trata de torcidas rivais no futebol brasileiro. O camaronês solícito atendeu a todos tanto defronte do estádio como ao lado da torre de televisão e da feirinha em seu entorno . Foi assim até o caminho para o seu hotel  no setor norte. E como sei disso  ? eu segui o camaronês . E por que segui o camaronês ? Explico no parágrafo abaixo.
    Um dos muitos que abordou o camaronês na porta do estádio, esse de maneira furtiva, estava um sujeito magro de abrigo cinza e preto que perguntou num tosco inglês se o camaronês tinha ingressos para o jogo de hoje. Não ouvi a resposta mas pude ver uma incessante insistência do magrelo para com  um camaronês bastante constrangido, acuado. A certa altura percebi que o magrelo anotou o telefone do camaronês e esse se afastou do local dizendo que o magrelo o aguardasse. Pensei : pronto ! vão tungar esse camaronês. E passei a segui-lo de longe, aproveitando para curtir a Brasília festiva e a paisagem. Camaronês zanzou pela feira da Torre de Tv, posou pra mais dezenas de fotos, sorriu, acenou, apertou mãos. Tipo pra lá de simpático e eu ali preocupado se ele não ia ser sacaneado pelo magrelo. Eis que a certa altura, uma hora depois do encontro dos dois na porta do Mané Garrincha, percebo que o   magrelo está seguindo o camaronês. Não o ficou esperando na porta do estádio conforme o combinado. Magrelo se esconde atrás de arbustos, marquises e pilastras mas o está seguindo com convicção enquanto ele segue para o setor hoteleiro norte. Ou seja , eu seguia o camaronês que era seguido pelo magrelo e agora eu seguia os dois.  A certa altura achei que o magrelo ia abordar o camaronês.  E eu queria saber, afinal, o que estava acontecendo. Temi pelo tipo simpático que posava com os torcedores brasileiros. Assim, quando a distância percebi um carro de polícia  estacionado há uns 200 metros, eu abordei o magrelo  e perguntei porque ele seguia o camaronês tão sorrateiramente. Sem dizer quem eu era ele se assustou e me respondeu em espanhol que ia atrás do camaronês que estaria hospedado no Hotel Libertador e ia lhe vender um ingresso para o jogo Brasil e Camarões. Ou seja quando pensei que o magrelo é que era o “isperto” parece que era exatamente o contrário. Me dei por satisfeito com a versão do magrelo , recolhi meu trem de pouso e mergulhei de novo na manhã de sol do inverno de Brasília sem saber se o magrelo mentia ou não. Dei por encerrada minha missão de agente secreto na Copa da capital federal.


Ricardo Soares é diretor de TV, escritor, roteirista e jornalista. Titular do blog Todo Prosa (www.todoprosa.blogspot.com) e autor, entre outros, dos livros Cinevertigem, Valentão e Falta de Ar. Atualmente diretor de Conteúdo e programação da EBC- Empresa Brasil de Comunicação.

Publicado originalmente no portal DOM TOTAL.


Comentários

Arilo disse…
Boa! E quando vem uma obra nova de literatura, camarada?

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