meus pés não incham por ficar parado


        Navegar, pra dentro, seu próprio rio inferior e interior. Um dia , na verdura da vida, estar diante de realidade e cotidiano tão impensáveis na África. O sujeito percebe que aquilo fará toda a diferença lá na frente. Diante da estranheza não experimentou o alheamento e se inseriu num cotidiano selvagem, difícil, porém recompensador . Nele experimentou as alegrias de ser útil, defendendo uma causa ou ajudando outros seres humanos. Mas um dia fez o movimento contrário e voltou às origens. Voltou à América e ao dia a dia repetitivo. Durante décadas cuidando de uma loja de roupas. Um dia é pego em flagrante flerte virtual . Sua mulher na moita, vigiando o smartphone. O casamento longevo e protocolar acaba, ele se vê refém da fúria da ex- mulher e da filha interesseira e volta para a África.
    O nome dele é Ellis Rock. Não é um ser de carne e osso mas personagem do mais recente livro de Paul Theroux lançado no Brasil ; “Rio Inferior”. Todo passado na África , cenário onde o autor viveu, e muito recorrente em sua obra, traz uma sensação de desconforto existencial para quem se aventura por suas páginas. Sente-se o calor, a modorra, o mormaço e o desalento pois o lugar onde Ellis foi feliz um dia nunca poderá ser de novo. Reforça-se aquela desagradável impressão de que nada infelizmente muda para melhor.
    Diz o próprio Theroux : “ Meu personagem quer voltar a um local onde foi feliz e pode ser feliz de novo. Mas é um erro, porque é óbvio que ele vai se desapontar .A motivação do protagonista para ir à África é comum: a ideia de que o viajante pode encontrar algo melhor longe de casa”. Aquela velha história na qual sempre acreditamos que o gramado do vizinho sempre é mais verde. Mas não existem os verdes vales do fim do mundo e isso é “morar” na filosofia dos nossos tempos. No entanto, não nos desalentemos, o final dessa história de Theroux até que soa otimista, uma nesga de luz num telhado escuro . Diz ele : “O viajante precisa ser otimista. É preciso acreditar que algo interessante existe no fim da estrada. E, sendo sincero, não sabemos quem somos até sairmos de casa “.
    É Mr. Theroux, muitas vezes saímos de casa e perdemos as botas. Eu vivo tentando arrancar aquelas que deixei pelo caminho ou que ficaram atoladas nos pântanos. Mas quer saber ? Melhor buscar as botas perdidas, melhor estar descalço de que ficar com os pés inchados de tanto ficar parado. E na verdade não busco o rio Inferior do sr. Ellis Rock mas meu próprio rio interior, cheio de corredeiras, grandes e pequenas quedas e lagos plácidos que ao menor sinal de pasmaceira se movimentam com suas correntezas subterrâneas.

Comentários

Postagens mais visitadas