NUNCA FOMOS TÃO BURROS


publicado originalmente no portal DOM TOTAL.   Clique aqui.
Por Ricardo Soares*

Nunca tivemos tanta informação à nossa disposição. Nunca fomos tão burros, rasos, superficiais e preguiçosos mentais. Chocados com a paulada? Creio que não porque duvido que qualquer pessoa  de bom senso ao olhar para os tempos modernos não tenha se debruçado um pouquinho sobre esse paradoxo.

Quando vejo em qualquer saguão de aeroporto ou qualquer sala de espera, restaurante, bar ou shopping as pessoas pregadas aos seus tablets e smarthphones como se fossem extensões de seus corpos, eu não me orgulho de nossa espécie e de nossa era. Tenho é pena. A imensa legião com os olhos pregados nos seus HDs externos, suas vidas coladas a um aparelho, me dão a nítida impressão que, em breve, estarão a limpar a baba bovina que lhes escorre pelos cantos das bocas. Gado manipulado, legião de autômatos insensíveis ao que se passa em volta. Adoentados e escravos da tecnologia. Estou sendo contundente, cruel, exagerado? Preste bem atenção agora ao que ocorre do seu lado e veja se não estou minimamente certo.

A revolução da informação está longe de terminar e não tenho nada contra ela. Ela avança todos os dias e nos abre novas possibilidades. Não temos como nos insurgir contra isso. Mas o tipo de comportamento e de "cultura" (e bota aspas nisso) que isso gera é sinal de evolução? Não estaríamos deixando nossos softwares e computadores cada vez mais inteligentes para ficarmos emburrecidos irreversivelmente?

O debate acerca do assunto está posto no mundo globalizado e sou apenas um grão de areia a "pitacar" sobre ele. Gente muito mais competente e especializada mergulha e mergulhou no tema. Escrevo sobre porque percebo situações cotidianas no varejo, todos os dias, que me afetam direta e indiretamente. Gente cada vez mais "assoberbada" não usando a própria memória sequer pra guardar números dos telefones conhecidos ou aniversários dos amigos. Gente que ocupa sua memória com o quê, mesmo?  Orgulho e preconceito? Ambições materiais a serem pagas a perder de vista com os cartões de crédito que valem em todo o planeta?

Lugar comum dizer que estamos no meio de uma "revolução" semelhante à provocada por Gutenberg no século XV, quando a descoberta da imprensa "democratizou" a leitura de livros, antes apenas privilégio do alto clero e meia dúzia de intelectuais e aristocratas. Gutenberg e seu invento disseminaram conhecimento assim como agora a imensa tsunami virtual deveria fazê-lo. Só que, diante de tanta ignorância e de leitura rasa sobre todos os assuntos, todos os dias, me pergunto: não estamos deixando de ser leitores para sermos meros espectadores de um mundo que passa numa velocidade atroz? Quem se dispõe a se desplugar ao menos uma vez por semana para a leitura de um bom e demorado livro ou mesmo uma prosa reta com um filho, um amigo, uma companheira? Quem se dispõe à contemplação, num mundo de barulhos e luzes? Aonde vamos nessa velocidade? Para mim, vamos é dar de cara num muro que nos anula. De onde, por trás dele, poderemos perfeitamente sermos controlados por uma única inteligência artificial que nos (des)governe. Se você, com sua pressa, conseguiu ler esse texto até o fim, talvez concorde com pelo menos um dos meus argumentos.
*Ricardo Soares é diretor de TV, escritor, jornalista e roteirista. Publicou o romance “Cinevertigem” e os infanto-juvenis “Valentão” e "O Brasil é feito por nós?" entre outros livros. Foi cronista dos jornais "O Estado de S.Paulo", "Jornal da Tarde" e “Diário do Grande ABC”.

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