Colômbia e Pablo Escobar na moda



crônica originalmente publicada no DOM TOTAL (CLIQUE AQUI)



        Não sei planeta afora, mas no Brasil, nas nossas redes sociais e até na mídia, poucas vezes vi a Colômbia tão falada. Muito mais pela repercussão das séries "Pablo Escobar- El Patrón Del Mal" e por "Narcos" (disponíveis na ascendente e baladala Netflix), do que pelo histórico aperto de mão em Havana entre o presidente colombiano e o comandante chefe das Farc, com a promessa de que será selada a paz naquele país.
     O natural apelo midiático em torno do entretenimento faz com que duas séries ficcionais chamem mais nossa atenção do que um acordo de paz, que finalmente pode mudar os destinos do país de Botero e Garcia Márquez, cuja memória sempre é evocada quando se afirma que só lá mesmo, na Colômbia, poderia haver solo fértil para o realismo fantástico. Uma nação de paradoxos, de contradições, de tantas e tamanhas montanhas russas políticas violentas e frenéticas que nos dá a vaga impressão de que a maioria dos colombianos vive acostumada com o estado de taquicardia.
    A Colômbia é fascinante e não é fácil. Sei um tanto sobre isso porque entre os anos de 2001 a 2007 fiz frequentes viagens ao país para a realização de um documentário para a Tv Cultura, que tem o nome de "Colombianos" e cujo link está no Vimeo (CLIQUE AQUI) Foi um documentário lançado de forma açodada por uma gestão que então comandava a Tv Cultura. Quis lançar o produto com o formato careta de um "Globo Repórter" (com longas passagens do repórter e offs imensos) e não deu chance ao diretor e nem ao tempo de mexer no imenso material bruto, que ficou para trás e poderia ser aproveitado por produtores e exibidores franceses, que se interessaram pelo material recolhido. Mesmo com a mesquinharia de um gestor egoíco, que não disponibilizou o material bruto para os franceses, me orgulho desse registro feito junto a uma equipe determinada, leal, companheira.
Se falo do meu documentário é para justificar que ele me obrigou a conhecer a fundo a realidade colombiana, muito mais complexa do que pretende a rasa leitura dos nossos telejornais, que classifica a Colômbia como um país dividido entre governo, guerrilha e narcotraficantes. As variáveis são muito mais extensas.
     As séries que mencionei acima – assisti as duas inteiras – trazem a tona a Colômbia muito mais distorcida do que a audiência pode imaginar. No caso de Narcos – produção americanizada, com Wagner Moura como Pablo Escobar e José Tropa de Elite Padilha na direção de 3 dos 10 episódios – o sotaque de Moura é o de menos. Uma falsa polêmica, até porque o tal sotaque não é tão ruim quanto disseram. E Moura (pelo menos nessa série) nem tão bom ator quanto dizem também. Se formos considerar que cinematografia boa é aquela de "timing" americano, Narcos bate um bolão. Se, como eu, estivermos cansado dessa "monoestética", ela deixa muito a desejar. Não só do ponto de vista de roteiro – ignora pontos chaves para entendermos a psicopatia de Escobar – como por nos mostrar um narcotraficante desumanizado, anódino. Ele é um psicopata e ponto. Não se explicam os motivos.
     Esses tais "motivos" são explicados quase à exaustão na série "El Pátron Del Mal" , com 74 capítulosm que apesar das "cenas espichadas" (como disse meu colega jornalista Alceu Nader) e da interpretação duvidosa de alguns personagens secundários, contextualiza a história colombiana recente de maneira eficaz. É uma esmerada produção da Caracol, o equivalente da Globo para nós. E seu ponto forte é justamente ter uma estética completamente diferente da Globo. Para o bem e para o mal. Mas é uma série perfeitamente assistível e consistente com Andrés Parra (ator colombiano) fazendo um Escobar no geral muito melhor que o de Wagner Moura. Embora talvez seja um erro estabelecer comparações entre as duas séries, eu diria que de longe prefiro a colombiana.
     Não só na Colômbia a dramatização da história, tal como ela aconteceu, sempre será uma falácia. Sempre existem versões tão distintas e dispares que as vezes as matrizes nem parecem as mesmas. Mas " El Patrón Del Mal" está muito mais próxima da Colômbia que vi,  pesquisei e vivi. Dá para sentir o cheiro de Bogotá e Medellín quando vemos as cenas lá rodadas. Os extremos são tão extremos que muitas vezes se tocam. Em todos os sentidos.
     Não tenho a pretensão em ser um especialista em Colômbia. Mas conheço o país melhor do que a maioria dos que se dizem "especialistas" nele. A grande teia do tráfico se emaranha em todo o tecido e em todas as classes sociais. E quem me disse isso, cara a cara há alguns anos, foi o senhor Ernesto Santos, dono de "El Tiempo", o maior jornal do país, uma peça do grande conglomerado midiático dos irmãos Santos, os Marinho de lá. Aliás, Francisco, irmão de Ernesto, foi um dos sequestrados por Pablo Escobar, fato que as duas séries mostram.
     A glamourização do narcotráfico rendeu outras tantas séries disponíveis na mesma Netflix, além de "Narcos" e "El Patrón del Mal". Não sei se gosto ou não disso. O que acho salutar é que elas lançam luz em questões comuns entre nós e eles. Corrupção, aliciamento de autoridades, tráfico de drogas. Ver essas séries não nos ajudam a resolver o problema. Mas colocam dedos nessas múltiplas feridas, sempre mais abertas na medida em que nelas também há sempre o dedo da política externa americana. Um dedo tão infeccionado pela hipocrisia e falsos valores que contamina todo o tecido em volta e deixa cicatrizes eternas. Nesse ponto tanto "Narcos" como "El Patrón Del Mal" mostram bem isso. E devem ser assistidas para que tenhamos a certeza de que a Colômbia é uma esfinge que nem os colombianos decifram.
*Ricardo Soares é diretor de tv, escritor, roteirista e jornalista. De 2001 a 2007 fez inúmeras viagens à Colômbia para a realização para a Tv Cultura do documentário "Colombianos" disponível no Vimeo.

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