AINDA ESTOU AQUI MARCELO PAIVA


(Republico aqui texto escrito originalmente para o portal DOM TOTAL acerca do mais recente livro de Marcelo Paiva...(Clique aqui)


   Ainda estou aqui Marcelo Rubens Paiva. Da mesma geração que a sua, você mais velho que eu apenas um mês, dou de cara com seu novo livro de belo e sugestivo título: “Ainda estou aqui”. Antes que eu me atrevesse a comprá-lo já tinham me dito que era um livro bonito. Paguei para ver. E gostei.
   Não faço a menor ideia se “Ainda estou aqui” está vendendo bem, se recebeu boa acolhida crítica, se suscitou discussões acerca dos temas que levanta : a chaga que fica para sempre naqueles que tiveram parentes diretos envolvidos em assassinatos políticos da ditadura brasileira 1964-1985 e a dolorosa convivência com o mal de Alzheimer que vitimou Eunice, mãe de Marcelo. Do primeiro tema muito sei, nada sofri. Meu pai era um modesto supervisor de almoxarifado justamente no emblemático ABC paulista durante a ditadura. Apolítico e alienado desses temas sua única ambição era pagar em dia as prestações do BNH e educar direito os 3 filhos. Do segundo tema muito sei. Esse meu pai morreu de Alzheimer em 1996 aos 67 anos. A doença o pegou precocemente quando ele tinha apenas 61 e cada mazela e estágio da doença que Marcelo Paiva descreve é bem dolorosamente conhecida de minha família.
   Marcelo Paiva fez um livro bonito. Simples, enxuto,digno, derramado, mas sem pieguice. Não abraçou nenhum rancor e deixou claro que sua mãe também não o fez nem antes nem depois que foram nominados os assassinos de seu pai muitos anos depois de sua morte . Em muitas partes o livro me deu um baita nó na garganta e creio ser essa uma das lindas funções da literatura. Dar nós nas gargantas nesse mundo cada vez mais pragmático, estéril e sem sangue nas veias.
  Li as primeiras 200 páginas numa só sentada. Não resisti e mandei um recado para o autor dizendo que estava gostando muito. Ele agradeceu mas não precisava porque não é uma mera gentileza. É a pura verdade. Verdade que reitero quando termino a leitura de “Ainda estou aqui” sobre o Atlântico na noite do réveillon para começar meu ano novo aqui em Paris. Aí, Marcelo Paiva, eu reforço o que disse : é um livro belo. Escrito, com perdão do chavão, com a alma. Sem se preocupar com salamalaques estilísticos. Direto e reto ao ponto. Expondo as vísceras. Com o açúcar e o afeto que essa história merece.
  Creio ter conhecido o Marcelo Paiva em 1983 quando ele era o jovem autor best seller de “Feliz ano velho”. Eu era então o jovem repórter especial do “Diario do Grande ABC” e forcei a mão para traçar numa grande matéria de domingo um paralelo entre jovens autores brasileiros ( como o Marcelo e o Reinaldo Moraes) e a literatura beatnik que começava então a ser publicada entre nós. Alhos nada tinham a ver com bugalhos mas até que aquela remota reportagem de domingo ficou redonda.
   Outras e muitas vezes estive com Marcelo Paiva. Quando seu best seller virou peça, quando virou filme com direção de Roberto Gervitz , quando fui convidado a fazer pequenas entrevistas para um programa que ele apresentava na Tv Cultura, o esquecido “Leitura Livre”. Também nos vimos em feiras e encontros literários Brasil afora quando eu fazia mediação dessas conversas com escritores e o Marcelo era convidado. Confesso, sem constrangimento, que pouco conheço de sua carreira literária depois do “Feliz Ano Velho” . O tempo e os ventos me levaram para outras paragens escritas e só li com gosto depois de sua estreia o “Blecaute” e sem gosto e sem terminar o “Ua Brari”. Embora tenhamos muitos conhecidos em comum nunca nos tornamos próximos mas sempre gostei da posição que ele assumiu a favor de uma literatura de entretenimento que, aliás, inexiste no Brasil.
   Não sou, nunca fui e nunca serei crítico de literatura embora na juventude tenha cometido uma porção de resenhas. Muitas injustas , outras justas. Mas quero dizer a você, Marcelo Paiva, que também estou aqui. Sobrevivendo nesses tempos bicudos de palavras tortas e tolerância zero com ideias e ideais que não sejam os nossos. E sou pego assim de surpresa com um livro que me fez entrar confiante, feliz, esperançoso no ano novo. Ver esse livro e essa vossa vida sorrindo com um filho novo a se debruçar num manancial de otimismo me faz ver o quanto estou errado ao ter dificuldade de ficar livre de certas mágoas fecundas. Estou longe mas tão perto de você agora que adoraria fazer um brinde contigo em qualquer bistrôzinho honesto aqui de Paris ou em uma cantina decadente do Bexiga. Na estiva de ano novo estou a tentar recuperar o escritor que eu deveria ter sido com mais aplicação. 2015 para mim não foi um “Feliz Ano Velho”. Mas “Ainda estou aqui” a repartir contigo e tantas outros lembranças geracionais que nos são tão caras. National Kid sobrevoa nossas consciências e desfralda sua capta pictórica para nos ajudar a entender nossas tristes, doces, pesadas ou incuráveis lembranças. Feliz ano novo confrade escritor. Que outros singelos livros como esse venham. O “leitorado” agradece.
Ricardo Soares é escritor, diretor de TV, jornalista e roteirista. Autor de sete livros foi cronista dos jornais “O Estado de S.Paulo”, “Jornal da Tarde”, “Diário do Grande Abc” e da revista Rolling Stone. Dirigiu as revistas Trip e HV.

Comentários

Thiago disse…
O livro chegou a figurar na lista de mais vendidos, da revista "veja".
Rute Beserra disse…
Muito bom o livro, li e recomendo. Parabéns pelo blog. Estou a seguir
Esteja a vontade para conhecer Literatura Infantil, bjs
www.rute-rute.blogspot.com.br

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