ATACAMA, MENSTRUAÇÕES E O CONTEXTO PARIS


        O contexto, o entorno é o seguinte :quinto andar de um prédio parisiense. Janela um pouco aberta, céu cinzento, fumaça de calefação subindo pelas chaminés e um cheiro de frango assado que sobe de uma "televisão de cachorro" logo abaixo.
    Lá em cima um escritor redimido com suas palavras presentes e passadas dá tratos a um texto escrito há exatos 30 anos na ilha de Itaparica, na flor dos seus 26 anos. Não sabe ainda se o calhamaço vira um livro ou um tijolo no lixo. Mas lá está o escritor e seu personagem fixado no ano da graça de 1985 quando o Brasil vivia a frustração da recusa das diretas-já e o começo do nefasto governo Sarney pós morto de Tancredo.
    O protagonista é um repórter ansioso, inquieto, entediado com as pautas chochas que lhe oferecem no dia a dia. Dribla o desinteresse com uma das muitas cartas a Klaus, o amigo distante. Bom , esse é o contexto . Essa é parte da história que segue adiante mas ainda não sei se aperto o "pára" ou o "continua". Palpites nesse balcão de opiniões virtuais...

(letter from Klaus, take 2)

        Porra Klaus. E os Estados Unidos continuam perseguindo a Nicarágua. E eu aqui cortando os meus toquinhos de unha não entendo nada. E vejo diante de mim uma tardezinha calorenta que me dá a impressão que a vida começou ontem. Que lá fora não tem ninguém. Talvez um pé de mixiricas ou meia dúzia de bentevis.
        Sou feliz. Como uma galinha em decúbito dorsal. E não entendo nada. Queria estar viajando como Joana me contou. Por uma estrada do Chile, perto de Antofagasta, onde a poeira do deserto do Atacama suja meus olhos. Mas eu não viajei Klaus.Estou aqui plantado, criando umas torpes raízes. Escutando todas aquelas canções que ouvíamos anos atrás e que não nos diziam nada. Uma porção de amores desfeitos, mulheres lindas e distantes. Perfeitas e sem o bafo da manhã. Sem menstruações.Porque você sabe Klaus, tenho que ser honesto com você, detesto menstruações. Aquela coisarada descendo toda, aquela lavação toda embaixo dos chuveiros, aqueles dores de cabeça, aquela sensação que toda mulher tem de ser mortal e poder gerar, ter e perder filhos.
        Juro Klaus que por aqui eu tenho comido legal. Dou duas ou três “bolas” por dia. Maconha orgânica, da boa. Faço a cabeça e penso que o mundo não começou a existir. E nem dou importância a uma porção de livros que guardo naquelas prateleiras improvisadas de tijolos com ripas. Não leio porque não aprendo. Inclusive queria dar algumas “cachuletas” em alguns desses escritores que tem a mania de ter a  solução para tudo. Como se a vida fosse resolvida com um grande frasco de remédio ou num livro e você lesse a bula e saísse rindo e peidando no vale de lágrimas.
        Tenho certeza. A vida aqui começou ontem. Tem um cachorrinho preto lambendo os meus pés e não entendendo nada. Pergunta, caído de quatro no mundo : “O que é essa coisa barbuda e peluda que tem uma coisa salgada que eu estou lambendo ?”. O cachorrinho não está entendendo nada. E eu sempre peço bis para essa vida Klaus. Meus olhos não estão borrados. Não estou cuspindo fogo nem matando um elefante por dia para mostrar que sou gente, sou legal, sou sabido.
        Do meu lado direito tem um rombaço na parede e eu vejo um mamoeiro. Nasceu agora. Oculto e feliz. Sem comparações com ninguém. Porque você sabe Klaus, esse escritor que está nos fazendo mais dia, menos dia vai ser comparado com alguém. Ou assim imagina. É uma loucura. O imbecil está sem sono no meio da noite e nos inventa não puros e tranquilos transando um mundo que nasceu ontem. Coloca a gente cheio de surpresas,esperanças, expectativas. Mas amanhã ou depois um punhado de outros imbecis vai dizer que ele nos inventou com influência de um outro imbecil que fica escrevendo de noite, sem sono. Tudo um eterno moto-contínuo de imbecis.
        Mas nada disso importa Klaus. Importa o nosso sossego. A feliz sina de termos descoberto que o mundo ainda está nascendo. Que não existem correntes políticas. Que não existem repercussões de escândalos . Que não existem reportagens enormes sobre miséria ou fome. Que não existe o jornalismo. Nem prefeitos, vereadores, governadores ou deputados. Está tudo por fazer. Lá fora, debaixo desse calor, tem um mundo para pintar.       

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