Há 30 anos o jornalismo já acabava?

   

 "Me preocupo pelo futuro da minha profissão". É a frase final da sequência de parágrafos abaixo de um romance remoto que cometi há exatos 30 anos e que jamais publiquei. A temporada invernal em Paris está me dando chances de rever o escritor que fui aos 26 anos e não tenho condições de auferir ou não valor àquilo que escrevi. O que julgo curioso compartilhar com vocês é que essas linhas escritas há 30 anos se não foram proféticas ao menos antecipavam o fim do jornalismo tal qual o conhecíamos. Há 30 anos ele já definhava na visão de um jovem jornalista que é o protagonista da história e que ,evidente, tem muito de mim. No trecho abaixo ele escreve uma carta ao seu irmão mais jovem que havia ficado no Paraná e vejam só ! essa carta, de certa forma , poderia ter sido escrita hoje.
   "Sou muito novo meu velho e acredito que aí está uma desvantagem. Comecei cedo nessa porra de profissão e perdi também muito cedo todas as ilusões. Agora resta viver encostado de uma maneira menos hipócrita ao lado de pessoas o mais decentes possíveis e simplesmente levar a vida. Essa é hoje a grande meta de um jornalista como eu nessa grande cidade.
   Você viu por que eu te digo sempre que a profissão não tem encanto ? por isso também acho muito engraçado quando surjo em casa a cada fim de ano e os pais mais os vizinhos ficam todos orgulhosos de mim, falando de boca cheia que “esse menino trabalha num grande jornal lá de São Paulo”. Se todos soubessem como no fundo é um mundo tão mesquinho e sem graça como o de muitos grandes escritórios... o romantismo nessa profissão já acabou faz muito tempo embora alguns idiotas ainda levem a profissão tão a sério que acreditam existir furos de reportagem em plena era da TV ao vivo.
   A televisão acabou com o furo de reportagem. E, a bem da verdade, os novos jornalistas desaprenderam tanto que hoje se limitam a ser porta vozes de autoridades e cumpridores das ordens dos chefes. Os “filhos da pauta” , como ironizam os mais velhos com toda razão. Mas isso é culpa dos próprios chefes e patrões que com a contenção de custos deixaram de incentivar o jornalismo investigativo, as grandes reportagens. Me preocupo pelo futuro de minha profissão".

Comentários

Unknown disse…
Não acredito que a carta não é de hoje....atualíssima, e Ricardo botia botar uma barraquinha de vidente aí em Montmartre... SUcesso garantido!. Deixei o grande jornal de que Ricardo fala (e tb muito me orgulhava e orgulho) em 2008 - dp de 34 anos - e sinto falta. "Daquele" jornalismo. Até dávamos 'furos' quase todo dia... a gente se sentia meio Billy no Planeta Diário, só faltava o cartãzinho PRESS enfiado na fita do cahpéu (que ninguém usava, claro). Momento emocionante de reconhecimento: minha mãe foi hospitalizada na Sta Casa, e na primeira noite (eu estava fora) ficou numa maca no corredor, coberta apenas por um lençol meio rasgado. Quando ela morreu, uma enfermeira me contou que, ao pedir que lhe dessem o quarto a que tinha direito pelo plano, ela comentou "Minha filha não é uma qualquer, ela trablha no ESTADÃO". Una furtiva laccrima, ainda hoje... (ela mrreu em 1987). Obrigada, Ricardo. Qualquer dia boto aqui aquele seu 'poeminha concreto" de que gosto tanto (vc sabe qual é)

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