O "NADA" DO JORNALISMO CULTURAL



Publicado originalmente no DOM TOTAL. (Clique aqui) Por Ricardo Soares*


   De todas as tristes faces da morte de nosso jornalismo- tal qual o conhecíamos- a que mais me machuca , pois dele sou egresso, é a morte do jornalismo cultural reduzido hoje à raiz quadrada de nada com a saída de campo de “craques” como meu amigo Jotabê Medeiros, só para citar um exemplo.
   O problema é que saem de campo os Jotabês e não entra sequer um arremedo de craque no lugar. Assim quando você, prezado leitor, se deparar com um texto legível de um jovem jornalista da área cultural guarde o nome dele pois é uma mosca da cabeça branca. Raro.
   O tal “jornalismo cultural” é aquele que se converteu em nos dar as agendas e manias de qualquer celebridade (nacional ou estrangeira) como se fosse notícia para  “sabermos” o que comem, com quem dormem, quais seus “projetos de vida”. Isso quando esses jornalistas, também metidos a pseudo-celebridades, não se promovem e querem aparecer mais que seus entrevistados fazendo  “selfies” ou pedindo autógrafos para eles. Patético.
    E o que falar no índice de leitura, cultura cinéfila ou de artes plásticas e outras mais desses “novos jornalistas” ?   Como se para escrever sobre cultura não fosse necessário saber um mínimo sobre os assuntos culturais. E olha que não estou lá a ser muito exigente. Mas seria bom saber, por exemplo, que antes de ser “jornalista” Arnaldo Jabor foi um cineasta que fez alguns bons filmes, ou que autores fracos de hoje em dia inventaram literatura confessional . E por aí vai.
   Sou de um tempo (sim , lá vem o saudosismo!)  em que a gente lia com deleite “repórteres culturais” como Antonio Gonçalves Filho, Sergio Augusto (um dos poucos na ativa ainda), Pepe Escobar, Ruy Castro , Miguel de Almeida ( cuja jovem presunção era proporcional ao talento) , Ligia Sanches, Maria Amélia Rocha Lopes, Isa Cambará,Joaquim Ferreira dos Santos, Regina Echeverria, Marcos Augusto Gonçalves e muitos mais. Isso sem falar da geração que gravitou em torno do “Folhetim”, “Pasquim”, “Enfim” e outros “ins” por onde tenha passado a pena corrosiva e inventiva do saudoso Tarso de Castro.
    Nessa seara tive sorte de ter meu esforço reconhecido (quando jovem sempre quis atuar na imprensa cultural) por profissionais como Zuenir Ventura,Luis Fernando Emediato, Andrea Carta, Marco Lacerda  e outros mais que me abriram as portas do Caderno B do “Jornal do Brasil”, do “Caderno 2” do Estadão , da extinta revista HV . Isso tudo me valeu em 1988 a indicação para ser o primeiro apresentador e redator do programa “Metrópolis”  (escrito então por mim e por Maria Amélia Rocha Lopes e Lucia Soares) e convites para dirigir publicações por aí afora.
   Fazíamos uma imprensa cultural diversa e diversificada com o perdão do trocadilho. Tinha gosto para tudo. Para textos poéticos, mordazes, ácidos, reflexivos. Mas todos consistentes. Todos comprometidos, também, em dar informação que é o primeiro ingrediente a ser alijado nesses “novos textos”. Ora inócuos , ora absolutamente pedantes como se qualquer leitor de primeira viagem fosse obrigado a saber, por exemplo,o que é a música de John Cage ou Stockhausen.
    Outra mazela desses tristes tempos é transformar tudo e todos em “genial”, o mais banal dos adjetivos usados pela tal “imprensa cultural”. Assim qualquer Selton Mello vira Sean Penn, qualquer Fernanda Young vira Dorothy Parker, qualquer Falabella vira Antunes Filho. Não há parâmetros, não há conhecimento sequer para separar joio do trigo. Cai tudo na cova rasa da lógica de mercado, da indústria do entretenimento.
   Prefiro acreditar aqui que , com o que me resta de otimismo, isso é apenas um triste ciclo do qual vamos sair. Mas ,por enquanto, seria muito bom que ao menos alguns desses profissionais experientes citados nesse texto estivessem nas universidades a ensinar  os jovens estudantes de comunicação a pensar. Por azar quase nenhum deles está escalado no time dos professores. Ou seja, o futuro a quem pertence ?


Ricardo Soares é escritor, diretor de TV, roteirista e jornalista. Autor de 7 livros dedicou 23 dos seus 37 anos de profissão ao jornalismo cultural.

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