Na ameaça o grito jovem da meia idade

NA AMEAÇA VEM O GRITO JOVEM DA MEIA IDADE

     Embora eu não esteja nem um pouco confortavelmente instalado na meia idade fato é que envelheci e minha elasticidade, meus cabelos,meus dentes, minhas esperanças dão sinais que as vezes cansam do combate. Mas aqui estou sentado defronte à meia idade. Estico com receio minha mão a ela esperando que me conceda mais uns anos de juventude. Mas ela, ladina, desconfia.
            Se não estou confortavelmente instalado em minha meia idade por que abriria  mão de  brigar pelas coisas que briguei durante toda a juventude ? por que deixarei de pedir por humanismo, justiça , paz, liberdade ? por que haveria de me transformar num bombeiro obtuso com medo de qualquer rojão por perto ? por que haveria de comungar dos ideais pequenos do livre mercado , da comunicação corporativa que vende sabonetes, bacalhau da Noruega e excursões para Orlando ?
            Minha cadeira  não reclina por isso talvez eu não esteja confortavelmente instalado na meia idade. Porque ainda me vejo a pular  entre pirambeiras, a jogar bola com os amigos , a correr do medo que nunca é bom conselheiro. A rir alto sem medo de ser ouvido, a beijar amigos e parentes, a amar com barulho as mulheres que amei, a magoar (pois eu  não sabia) a quem não merecia.
            Acumulei algum conhecimento, li uma penca de livros, viajei por países e cidades, senti muito calor e frio e comi centenas de aves, poucos bois e vacas, cardumes de peixes e engradados de verduras. Fiz um filho e criei como filha uma linda e honesta mulher que me acena sempre desde os Estados Unidos. A mim é grata e eu a ela pois em comum não ficamos à vontade diante da juventude que parte.
            O fato de não estar à vontade com minha meia idade é porque ela não permite que eu possa ligar ou abraçar meus pais a hora que eu queira pois eles ficaram lá atrás a me acenar na minha juventude. Cada vez os entendo mais por isso também não me sinto confortável com a meia idade pois quero desfrutar da vida mais do que eles desfrutaram, quero me ater a recordações não ressentidas que passam por passeios na praia, no sul de Minas,  ou dentro de restaurantes que serviam frango com polenta.
             Na verdade não me instalo na meia idade. Ela se instala em mim mas eu resisto . Talvez de maneira pueril vestindo corres berrantes ou calçando tênis coloridos. Talvez tentando entender – muitas vezes em vão- as maravilhas tecnólogicas e sons que me chegam de longe e não identifico. Quem são esses novos jovens que tocam guitarras e reproduzem ecos do meu tempo ?
            O que eu talvez tenha desejado, desde sempre, foi escrever como um jovem para comunicar a todos que, sim, apesar das amarguras,  minha vida tem sabor. Paladar, tato , olfato que dizem que perdemos conforme envelhecemos. Por isso não me conformo e  não estou confortavelmente instalado na meia idade. Na verdade não me conformo que não necessitem de minha experiência, minhas pequenas rugas nem das lambadas que levei nas costas. Não necessitam nem das minhas alegrias profissionais e isso doi sim senhor.
            Vivi num mundo de homens e mulheres más mas permeado de tantos homens e mulheres boas que isso deveria bastar para que eu continue a ser jovem. Mas jovem não tem calos . Ou tem ? O tempo não parou para mim e nem para ninguém. Por isso não quero gastar o que me resta combatendo o que já imaginava estar sepultado. Na meia idade temo mais ainda o fascismo, a ignorância, a estupidez. Porque o tempo não me dará outro tempo de viver tempos melhores. O melhor tem que ser agora quando tanta gente cheia de vida quer nos levar a tempos mortos. Porque talvez não tenham chegado a meia idade.
            Não estou nem um pouco confortavelmente instalado na meia idade porque ela pra mim não representa um retrato na parede, uma casa de repouso, uma aposentadoria de ideias e ideais. Por isso entendam porque as vezes prefiro Paris quando não me instalo na meia idade. Ali em tantos cantos o ideal da  liberdade parece pairar sempre apesar das intempéries da intolerância. Aqui precisamos aprender a reorganizar a paisagem para fazer de Brasília, por exemplo, uma cidade nova sem tantos velhos fantasmas. Se bem que como eu Brasília também está na meia idade e parece resistir a ela. O que passa ali não pode nos quebrar a espinha, nos deixar nocauteados. A liberdade é sim a eterna vigilância. Desde jovem eu vigio. Por isso creio que jovem permaneço. Não vou me encostar na poltrona de couro fino da meia idade a desacelerar a minha velocidade.
           

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