CENTENAS DE CAMAS DE HOTEIS

CENTENAS DE CAMAS DE HOTEIS


Em cada cama de hotel em que me deito e deixo ácaros, pelos, maus ou bons sonos e suplícios fica também no precário colchão de molas ou na cama box um pouco dos meus sonhos e pesadelos impregnados muito além da parede dos sonos.

Em cada cama de hotel em que solitário ou solidário com a cidade eu naufrago penso que nunca conseguirei pescar aquilo que vim buscar porque só os “locais” entendem bem a dimensão do que é viver nas plagas que visito. 

Em cada cama de hotel de onde sinto o cheiro de lenha queimada ou de pão fresco da cidade que visito tento olhar pela janela novidades de um mundo que não percebo ou uma cena inédita que vá formar o longo rosário de minha vida viageira.


Em cada cama de hotel onde repouso sei que a viagem vive sua própria vida pois ela é autônoma, nunca se repete, se liquefaz e ressuscita de maneira distinta pela nossa própria memória. 

Em cada cama de hotel onde encosto meu corpo penso se é possível a partir dela fazer novas histórias com novos personagens  que no fundo possam explicar a um uruguaio o que é um brasileiro, a um brasileiro o que é um argentino, a um argentino o que

é um indiano. 


Entre as centenas de camas de hotéis por onde deitei mundo afora foi ficando um enorme acolchoado de mim mesmo, uma espécie de patch-work de luzes e de cores que se não me explicam também não me complicam. Não chega a ser uma teia pois as teias são para os épicos e sou apenas um livro barato ainda aberto em páginas manchadas de vinho, café, manteiga, azeite e outras coisas tão antigas das quais não tenho memória pois na verdade estou sempre buscando a próxima cama de hotel onde vou dormir ...

Comentários

Lindo texto. Senti uma certa tristeza... Mas é poesia, né ?
Ricardo Soares disse…
Sim prezada Urtigão...pode se dizer que também é poesia né? andas sumida, abs

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