31 de dezembro : mas não faz mal, foi só o tempo que passou

       

    O texto que vocês lerão mais abaixo é uma tosca tentativa de um menino de 20 anos - que um dia fui - em estabelecer uma conexão de esperança e otimismo em dias vindouros através de uma personagem chamada Maria Auxiliadora. Foi escrito em 3 de outubro de 1979 e ainda hoje não sei se é poesia ou crônica. Também não sei se é bom ou não levando em conta a idade que eu tinha. Isso na verdade não importa.  O que importa aqui é o desejo de Maria Auxiliadora em dormir com o "ano que vem " na cabeça.Que essa sensação de ano que vem permaneça conosco todos os dias de 2017 porque se não acreditarmos em melhores)anos vindouros a coisa fica dificílima não é verdade ?? 

(a imagem acima tenta definir o que o texto pretende e a imagem abaixo é de um remoto livro de poesia&prosa que cometi em 1982 , "A Invenção da Surpresa" , onde este texto está publicado depois de ter ganho um concurso nacional de minicontos em Guaxupé,interpretado pelo sumido e talentoso então amigo Aderval Borges.  A capa do livro é do meu ex-cunhado e eterno compadre Mário Sérgio Longo.)


31 de dezembro : mas não faz mal , foi só o tempo que passou


    Você continua chamando Maria Auxiliadora e pegando o mesmo ônibus naquele mesmo ponto. Eu continuo com aquela dor de cabeça do lado esquerdo, sustentando o meu mundo que pense mais para a direita. 
     Você continua parando na "Flor da Beira Alta" e comendo quindim com Coca- cola. Eu continuo fazendo uma canção singela , sem aquelas grandes pretensões. E você sabe.
     Você continua saindo às seis da tarde do serviço e antes de ir pro supletivo passa em casa , escova os dentes e come uma maçã adocicada. Você continua saindo às 11 e meia do supletivo e olhando para as vitrines com a ambição de comprar o vestido azul que nunca o teu salário vai te dar. Você continua tendo uns olhos bonitos e aquela ruguinha bem na testa. Você continua tendo os olhos que eu não tenho.
     No dia 31 de dezembro Maria Auxiliadora eu passei em frente a uma loja e vi um abajur muito bonito , cheio de luzinhas coloridas. E me lembrei da gente no quarto, com aquelas luzes. Era bem no fim do ano. Aí eu entrei numa pastelaria, um freguês cumprimentava o chinês, eu pedi um caldo de cana e um pastel de carne e aí lembrei que andava sozinho. Estava sozinho , parado ali , tomando caldo de cana que escorria pelos dedos. Você continua não gostando de caldo de cana. Aí sai meio chateado, chutando as tampinhas do caminho e fungando. 
     Você continua tendo os olhos que eu não tenho. E eu com minha dor de cabeça do lado esquerdo, entro no quarto, acenso o incenso e vou dormir com o ano que vem na cabeça.
(3/10/79 - SP) 

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