Amor de mãe vem aí



    


    Todos os dias quando me ponho diante do computador e de uma disciplina tardia para abraçar a literatura divago sobre o "tempo perdido". Tantos e tantos anos dedicado ao jornalismo cultural, aos documentários e à comunicação pública, essa finada, principalmente.
     A reação mais próxima, a mais cômoda , a mais devastadora até é crer , com força, que apostei em cavalos errados e deixei de lado a trajetória de escritor, sempre postergada, sempre adiada em detrimento da estrada de "comunicador", roteirista, jornalista. Ou seja, sempre fui um escritor relapso e bissexto. Soma-se a esse adiamento uma espécie de excessiva autocensura que me impediu por muitos anos de voltar a publicar. Desde 2007 com o infanto-juvenil " Falta de Ar" não publiquei mais nada. Isso não quer dizer que tenha parado de escrever. Nunca parei aliás. O que faltou foi disciplina, empenho, energia, foco, prioridade para levar adiante projetos estacionados e concluí-los. Não vou comemorar nada antecipadamente mas parece que agora vai. Sem grandes expectativas mas de maneira honesta e simples, tendo  a ciência do meu modesto tamanho, retomo a jornada e poderia aqui escrever um longo "panegírico"a respeito de tantos adiamentos.Mas isso a quem interessa ? 
    Ironia do destino é que resolvo recomeçar num momento impróprio, talvez dos piores para a literatura brasileira contemporânea que se ressente de leitores, de qualidade, de investimento, uma literatura eivada de "panelinhas" que se incensam e se protegem formando um bunker onde só quem está dentro é considerado "literatura brasileira contemporânea". Sem ressentimentos no fundo não ligo porque tirando um ou dois esses autores protegidos por curadores- editores são muito ruinzinhos. E, vamos combinar, não quero recomeçar com rancor e com ressentimento. Só reiterar um pedido aos meus 19 leitores(como diz o poeta Álvaro de Faria) para pesquem as novidades fora do óbvio. Tem muita coisa boa sim sendo feita fora do circuitinho mirrado divulgado pela mídia amiga.
   O preâmbulo grande se justifica para dizer que vou colocar de novo o que faço em circulação. Entre o começo de abril , começo de maio será publicada uma novela chamada "Amor de mãe" escrita há dez anos . Começo lá atrás para chegar mais perto pois as gavetas estão cheias e sendo depuradas. A editora que me prestigia é a valente Patuá do Eduardo Lacerda que mesmo antes de se interessar pelo que fiz eu já admirava por sua coragem num mercado árido e por sua estratégia de guerrilha de fazer livros bacanas com bom acabamento e baixa tiragem para fugir, entre outras coisas, das ganâncias do mercado livreiro. Estou feliz pelo recomeço que espero não ser interrompido. E os convido, modestamente, a conhecer um trechinho do "Amor de Mãe" em breve entre nós :


( trechinho de "Amor de Mãe")




"Demos então em uma  longa e penosa ladeira calçada de paralelepípedos. Íngreme, difícil de subir. Ao chegar no seu topo podíamos ver o bairro todo iluminado com luzes baças, luzes de filmes iranianos. Podíamos ouvir cachorros latindo nos quintais, mães chamando seus filhos para o banho, panelas de pressão que cozinhavam feijões duros e difíceis de ganhar.  Era a hora em que os maridos sadios voltavam para casa e calçavam as chinelas contemplando os pés inchados . A hora em que cheiravam as próprias meias fedidas e fugiam dos chuveiros encostando as carcaças em sofás de courvin  quente que grudavam nas costas. Começava a hora da santa transpiração defronte a televisão  quando eles olhavam com tédio as notícias do dia esperando a próxima novela e as coxas grossas e decotes generosos que seriam servidos e eles não tinham em casa". 

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