mais uma canção do beco


   
MAIS UMA CANÇÃO DO BECO

Não vão demolir esta casa e mesmo que a demolissem o meu quarto iria ficar. Em uma estranha geometria, num mundo de aparências, o meu quarto guardaria sussurros e gemidos mas também guardaria palavras nervosas que grudaram nas paredes, guardaria alguma dose de choro, outra de puro alumbramento.
Antes que eu me vá numa espécie de carruagem romântica do século 19 é muito improvável que vão demolir esta casa e mesmo que a demolissem meu quarto guardaria luzes que entraram entre os galhos altos das árvores e guardaria a lembrança de dois cães companheiros que agonizaram aos pés dessa cama e além de muitas tristezas o quarto guardaria cheiros de frituras, cafés, incensos e ecos de muitas risadas.
No resplendor de lembranças que rápido se tornam opacas segue o quarto, esteja ou não a casa de pé. O quarto é mais que um beco de tristezas ou alegrias. Atrás das janelas, atrás dos vidros e dos mosaicos sigo eu refletido, quase solene, envelhecendo e não alcançando mais meu tempo. A felicidade se alcança mas a brisa que vem de outro mar a desgasta, maltrata , balança.


Ricardo Soares, 4 de julho de 2017, 10 e 11 da matina

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