UVAS PASSAS E OLIVEIRAS

    

Publicado originalmente no DOM TOTAL

  Alguns dos meus heróis não morreram só de overdose. Morreram de desgosto, excesso de utopia e de poesia e posso lhes garantir que em tempos bicudos isso mata mesmo. Essa vida brasileira está de morte mas não é da “indesejada das gentes” que eu quero falar. Na verdade há tanto sobre o que falar que nem sei em qual alvo miro primeiro. Talvez eu queira transmitir um pouco de sol e calor nessas linhas , abrir janelas que dão para fora e para isso é preciso falar de quem nos inspira, motiva, nos faz seguir em frente o que é cada dia mais raro nos dias que correm.
     Assim folheio páginas ao léu tentando derreter icebergs imaginários e imaginar que Paris , apesar do perigo, não tem fim.  Mas Paris não é só festa e quem ama o belo bonito lhe parece e eu fico pensando aqui em pequenas ternuras, pequenas texturas, coisas que fazem a diferença na vida e na alma lírica – quase extinta – das pessoas.  Porque todas elas envelhecem não é verdade?
    Envelhecer não é bacana e não adianta inventarem esses termos consoladores como “melhor idade” para aplacar esse desgosto do qual ninguém escapa se um acidente não nos colher no meio do caminho onde existem , sempre, muitas pedras.  Envelheço na minha cidade e nas cidades alheias e vejo brotar prédios onde  haviam árvores, shopping- centers onde haviam padarias, indiferenças onde haviam cortesias. Sou um homem grandão contra a ventania. Minhas costas vergam sem grandes companhias e de repente , deslocado, esquisito, me vejo sendo um personagem de Steinbeck em plena avenida Paulista.
    Não quero dominar a arte de ser infeliz porque como diz o velho refrão “é melhor ser alegre que ser triste”.  Mas é que todo dia vejo secar dentro de mim sensações frutíferas e vejo certas coisas em mim virando uvas passas. Terá passado o tempo de encontrar o Jardim das Oliveiras?
*Ricardo Soares é escritor. Publicou 8 livros entre os quais “Amor de Mãe” lançado recentemente pela editora Patuá.

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