28º andar do Copan

O acaso é mesmo o acaso. Não tem caso. Essa crônica foi publicada na quinta feira, 3 de agosto de 2017 , no Portal DOM TOTAL. Falava de um amigo que mora no Copan e seus ensinamentos. E não é que um dia depois, no começo da noite do dia 4, eu conheço outra pessoa , também residente no Copan, agora uma mulher, que me ensinou outras tantas coisas sobre desapego ?. Eis pois a crônica de novo. Grato pelos mimos que recebi por ela...a original  está no Dom Total. Clique aqui.
    
     Tenho um amigo que aprendeu a viver com menos. Menos grana, menos livros, menos copos e talheres, menos mulheres. Com isso ao invés de descer ele subiu. Exatamente para o emblemático  28º andar do edifício Copan no centro de São Paulo. Dali ele vislumbra significativo skyline da metrópole e enxerga muito além dos nossos horizontes apesar de ter tido na vida perdas tão terríveis que não sei se eu suportaria .
   Da janela do seu pequeno apartamento tenho uma boa visão da escada externa, curva e sinuosa, que marca a arquitetura do Copan. Meu amigo volta seus olhos para dentro do apartamento e às suas costas ficam seu passado maranhense , um grande amor perdido, meia dúzia de boas recordações que temos em comum. Meu amigo me ensina calmamente a lidar com as perdas e ri tolerante do quanto ando perdido. Ele é um pouco mais novo que eu mas sabe mais. Generoso e condescendente faz suave inventário dos seus erros e me dá dicas de desapego. 
    Depois de curtas lições de vida descemos até o térreo do Copan e caminhamos pelas ruas do centro na direção de um restaurante vegetariano. Lá me apresenta a uma boa comida e a dois ou três amigos . Depois caminhamos mais um par de minutos juntos  e conhecemos dois senegaleses , uns “arrumadores” de maquinas fotográficas e uma garçonete que serve cafés e palmiers na Aliança Francesa e não fala uma única palavra de francês. “Estudar aqui custa caro” diz ela enquanto eu lhe dirijo um imaginário “au revoir”.
    Ao fim da tarde singela me despeço do meu amigo com um abraço forte ali do lado da praça da República . Ele, sem saber, pulverizou minha tristezinha e sigo quase saltitante para o metrô . Logo depois chega pelo telefone uma foto minha que ele fez no Viaduto do Chá. Me vejo de barba e cabelos muito brancos contra o sol. Muitos anos mais velho de quando lá passava para ver brinquedos que não poderia comprar lá nas vitrines do falecido Mappin. Sim, o homem fotografado sou eu  depois de ter descido do 28º andar  do edifício Copan e ter entendido tardiamente pelas mãos do meu amigo que menos é mesmo muito mais.
* Ricardo Soares é escritor, diretor de tv, roteirista e jornalista. Publicou recentemente o romance “Amor de Mãe” pela editora Patuá.

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