DESTINO FEDORENTO

publicado originalmente no DOM TOTAL ...(clique aqui)


As donas e donos de casa, como eu, que mesmo a contragosto são submetidos às lides domésticas haverão de partilhar comigo um nojinho supremo quando somos obrigados a enfiar as mãos dentro da pia para remover os restos de comida e demais imundícies que se acumulam no ralinho de escoamento.
É exatamente assim que me sinto ( nos sentimos?) quando temos que enfiar a mão na cumbuca da política, revolver em texto, em fala, em argumentação o que acontece há anos no nosso combalido Brasil que um desgoverno garante estar nos eixos. Preferíamos não ter que revolver em todo esse lixo úmido e fedorento mas a impressão é que parece ser impossível fugir a isso. O lixo nos persegue, nos cruza o caminho, nos gruda nas paredes do subdesenvolvimento e da apatia. Seguimos com vergonha de nossa notória incompetência para a lisura , a civilidade e - suprema utopia- a sustentabilidade.
Os bombardeios são diários, contínuos,massacrantes. Cantor "sertanojo" com amnésia histórica, políticos de todos os matizes flagrados na pilhagem, autoridades que não se dão ao respeito, assassinato de índios, balas perdidas no Rio de Janeiro, o triunfo total e absoluto da cultura de mercado, o recrudescimento da censura, a proliferação do ideário "evanjegue", a falta de opções presidenciáveis para o ano que vem. Ou seja, muita sujeira no ralinho da pia e não adianta usar luvas de proteção pra tentar fugir do lixo. Ele nos engolfa como uma tsunami de barbaridades já quase consentidas de tão recorrentes que são. Ao invés da síndrome de vira - latas estamos nos acostumando com a síndrome da inviabilidade , com o estranho destino de que aqui nada dá certo noves fora samba, praia , futebol e uma pseudo-alegria convertida em ausência de educação e limites ? Nos resta pois apenas espargir desinfetantes à base de pinho e eucalipto para aliviar o budum ? ou esse nosso destino fedorento tem saída a curto prazo ?

*Ricardo Soares é escritor, diretor de tv, roteirista e jornalista. Publicou 8 livros e dirigiu 12 documentários.

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