Jurássicas redações

(republico aqui no blog crônica que saiu no DOM TOTAL . (CLIQUE AQUI)
Por Ricardo Soares*
            Tive uma companheira que deixava ao lado da cama um caderninho para anotar seus sonhos assim que despertasse. Não lhe copio o hábito mas hoje abro uma exceção por ser significativa. Passei boa parte da madrugada sonhando com redações de jornais à moda antiga como se elas ainda existissem . Espaços amplos, relativamente arejados, cheios de janelas de vidro imensas onde se espalhavam muitas mesas e , entre elas, mesinhas menores onde estavam depositadas as indefectíveis garrafas térmicas cheias de cafés ruins e ralos com os copinhos de plástico ao lado. Esses nichos eram uma espécie de fumódromo, um alento em meio a correrias dos "fechamentos" dos jornalões, um lugar em busca de uma pausa para uma prosa ou a intersecção de conversas entre colegas de editorias diferentes. Foi assim,por exemplo, que eu , repórter do Caderno 2 do Estadão, fiz amizade ( que já dura 31 anos) com Sérgio Tulio Caldas que era repórter de economia e hoje autor premiado com Jabuti.
     Isso dito volto ao meu sonho. Claríssimo, cristalino, quase uma peça de ficção científica retrógada pois o cenário que descrevo hoje não existe e é completamente desconhecido das novas gerações que não viram redações repletas de teletipos, papéis carbono, xerox, contínuos que iam e vinham e nos trazer e levar mensagens. Ah, isso sem falar das barulhentas máquinas de escrever que transformavam as redações em ambientes vivos onde se ria alto, se falava alto e até se gritava. Nada em comum com as tumbas cibernéticas que são as redações de atualmente onde rir não é o melhor negócio.
    Pois no sonho me vi vagando por redações que lembravam muito os ambientes reais por onde passei parte da minha vida profissional às vezes comandado por profissionais como Augusto Nunes e Luiz Fernando Emediato que apareceram em situações estranhas nesses sonhos. O primeiro sentado ao meu lado numa poltrona confortável a me mostrar uma construção gramatical incorreta cometida por um colega nosso. E do seu lado esquerdo um conhecido baba-ovo dele,sempre seu fiel escudeiro com cara de esquilo com quem não tive nenhuma relação profissional ou pessoal. O que fazia esse janotinha no meu sonho não entendi. Mas, enfim, os sonhos não são para ser entendidos.Ou são ?Já o Luiz Fernando Emediato aparecia de pé circulando diante de um telão amarelado prestes a iniciar uma apresentação de um enorme projeto para uma platéia razoável sentada numa espécie de salão de eventos dentro do prédio de um jornal. Eu fazia parte da assistência e esperava o começo da apresentação.

   Essas cenas foram intermediadas por passeios fugazes por redações diferentes porém semelhantes onde eu vagava sempre a procura de uma máquina de escrever onde pudesse batucar as minhas linhas . Lembro que em uma dessas situações urgia redigir depressa pois era uma reportagem de importância. Me apresentaram a máquinas sem teclas, máquinas defeituosas e até a uma portátil azul marinha que era deslumbrante. Não me vi escrevendo em nenhuma delas o que pode ser uma gigantesca metáfora do meu "não lugar" nas redações de hoje. Os sonhos foram, digamos, confortáveis. Mas o despertar deles me deu uma tremenda sensação de que me transformei - assim como toda a minha geração- num precoce dinossauro fossilizado.

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