A coluna jônica chamada Fernanda Montenegro

Republicação da crônica do DOM TOTAL. A original (clique aqui)
Por Ricardo Soares*
Não quero créditos até porque é uma metáfora normal. Mas me ressinto de personagens que sejam “colunas jônicas” da nação. Pessoas a quem admiramos por notório saber ou clarividência e que estão acima das ideologias ou das comezinhas questões que nos afligem. Pessoas que nada tem a provar a ninguém, pessoas a quem bradamos sinos e dizemos amém.
Com a morte recente do professor Antonio Candido e, antes, Ariano Suassuna , Darcy Ribeiro ou mesmo Jorge Amado e Sérgio Buarque de Holanda - sem falar de Vinicius e Tom - fomos ficando órfãos dessas colunas jônicas da sustentação da sabedoria e talento nacional.
Essa semana uma dessas poucas colunas que restam - a atriz Fernanda Montenegro e seus notáveis cabelos brancos - sentou-se em uma poltrona colorida  defronte a jornalista Bárbara Gancia lá em Paraty. Bárbara chamou Fernanda de “gloriosa,excepcional, paradigma nacional da dignidade”, merecidos elogios a Fernanda que havia sido aplaudida por sua leitura de textos de Hilda Hilst, escritora agora homenageada depois de ter passado a  vida inteira lutando para ser valorizada como merecia.
Vendo Fernanda assim serena lembro de sua filha, a atriz e agora escritora Fernanda Torres por quem nunca nutri  simpatia. No entanto outra colega jornalista, Paula Dip, colocou em sua rede social uma crônica de Fernanda Torres de cair o queixo, o que me fez rever minha opinião sobre a moça como autora. Escrevendo sobre o recem - falecido Helio Eichbauer, fundamental figura - não só como o sensacional cenógrafo que foi - das trincheiras culturais dos fins dos anos 60 e décadas seguintes a cronista concebeu um libelo de amor a ele e sua companheira Dedé Veloso que é um primor e cabe como uma luva para a mãe dela, a coluna jônica Fernanda Montenegro.
Fernanda, a filha, lembra com nostalgia uma cena de abraço entre Hélio e Dedé num fim de tarde no Leblon quando caminhavam pela orla. Os “amantes serenos, abraçados no contraluz da manhã” encheram os olhos d’água da moça pois ali ninguém sabia quem era o belo casal que havia sido testemunha ocular e ativa de todas as convulsões culturais do Brasil recente. Fernanda Torres diz ter se sentido “fruto deles” ao ver aquela cena.
Aqui e agora volto a Fernandona, a mãe da cronista. Eu e muitos brasileiros vivos nos sentimos filhos dela por essa imagem de enorme coluna jônica que abraçamos e na qual nos amparamos num momento em que se cultuam tantos falsos valores e tantos ícones de pés de barro. Fernandona, ali sorridente com a Bárbara Gancia, a mãe da Fernandinha, a atriz marco zero do Brasil merece todos os aplausos e elogios pois é uma fundadora de nossas emoções mais caras, a tradução dos nossos corações que saltam na boca diante de tantos desmazelos. Eu me sinto fruto dela aqui num hotel em Boa Vista, Roraima, a tecer guisados textuais pra terceiros.
Nunca imaginei ver a democracia escapar como água entre nossas mãos. Mas saber que tenho simbolicamente as mãos de Fernanda Montenegro pra segurar ou mesmo poder abraçar essa coluna jônica  me dá um certo conforto. Fernanda Torres, sua mãe é minha fundadora. E mesmo que isso não tenha a menor importância eu digo que por conta dela vou ler os seus livros. O antídoto que me deste com o texto sobre Eichbauer me faz tomar essa direção. Talvez lamentando contigo a falta de colunas jônicas como a sua mãe dentro dessa nação.

Comentários

Postagens mais visitadas