Ressurreição de"Letters to Klaus" numa primeira quinta sem crônica em 10 anos

 

        Antes do texto, o contexto. Por motivos e trilhas dificeis de explicar- estava pensando no terremoto da Turquia  - escarafunchando textos há muito escritos dei de cara com uma série de cartas escritas por um personagem chamado Henrique Coimbra para um amigo que morava distante, o Klaus. Isso é um remoto trecho de um remoto e caudaloso romance que comecei em 1986 e nunca conclui. É bem grande, é pretensioso pois contado em vários tempos e camadas sobre camadas. E eu o tomei e retomei muitas vezes desde que iniciado na ilha de Itaparica há 37 anos. Não sei hoje fazer juízo de valor disso tudo mas achei curioso o achado. 

    Henrique Coimbra, um dos protagonistas, é ( como eu fui) um repórter que cobriu a não posse de Tancredo Neves e esteve ali acompanhando a via crucis do presidente jamais empossado na porta do Instituto do Coração em São Paulo. Morreu anos depois numa estrada italiana e hoje cruzou a minha rota quando me compadeço de mim mesmo por ter vivido minha primeira quinta - feira em uma década sem ter crônica publicada oficialmente visto que o portal Dom Total naufraga estrepitosamente e comunicou seu fim aos colaboradores com um lacônico e friíssimo e-mail. Sinal dos tempos de delicadeza perdida.  Talvez por me sentir depois de tantos anos um "sem crônica", talvez sei lá porquê , talvez isso, talvez aquilo, faço viver em mim um personagem de outro tempo sem sequer saber se um dia ele sai das catacumbas de onde jaz há 37 anos escrito por um jovem autor que na ocasião tinha 26 anos. Me fiz entender ? Leiam o resto, a carta em si , se tiverem paciência. As quintas sem crônicas serão , a partir de agora, preenchidas com excertos . Ou "fragmentos de um tijolo maior" como batizei no marcador do meu blog. Boa noite a paciente assistência.

( Letters to Klaus, take 1)

        A vida , Klaus, é uma merda. Como ficar provando ao semelhante que a inteligência dele é inferior à sua. Como ficar explicando que a distância de Belo Horizonte a São Paulo é pouco mais ou pouco menos de 600 quilômetros. Ou como explicar que a falta de um cromossomo pode causar alguma grande anormalidade que nos fará revirar os olhos, falar com as paredes ou comer cocô. 

    A vida, Klaus, é um bilhete suicida. Uma porra de umas mal traçadas  que nos custam os olhos da cara. Para nascer, para morrer, para uma porção de outras coisas. E a gente sempre fica fazendo aquilo que não devia fazer. Eu sei Klaus que não devemos , mas isso é o que vale a pena. Fazer o que não devia se fazer.

    A vida, Klaus, é como um poeta idiota igual esses que andam até nos escrevendo por aí, gastando a vida e uma porrada de papel e não chegando a conclusão nenhuma. A vida é essa coisa toda. Procura de estética, lógica, ideologia, composição, pau, cu, buceta, elegância e adequação. Então, Klaus, a vida é um terceiro personagem. Que independe de mim, de você, de quem nos fez ou descreve.

    A vida , Klaus, é como teu nome que brota de minha mais germânica  imaginação e percorre os caminhos do anti-diálogo. A vida é a passagem de um homem entre suas próprias pernas, é o descontentamento geral com o lugarzinho no pódio.

    A base de toda a metafísica Klaus está nos testículos Só que ninguém sabe e o otário do poeta pensa ter descoberto o ovo de Colombo com essa afirmação. Tudo o que faço Klaus é não ter importância. E eu espero Klaus. Espero que o dia anoiteça ou que o dia amanheça para começar a desfiar o óbvio diante dos meus próprios olhos .

    Por enquanto, enquanto vinte séculos de cultura me contemplam, eu apodreço em continentes de burrice e não sei onde fica o meu começo.                     

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