O meu jeito de parar o tempo

 

  O meu jeito de parar o tempo é, por exemplo, não lavar as louças de um jantar agradável e deixar por dias indistintos as manchas nos pratos que evocam os bons momentos idos e vividos. Também deixo os vestígios de vinho que se solidificam no fundo das taças e, conforme o convidado que partiu, se for agradável apesa de fumante deixo das bitucas dele no cinzeiro.
   Não raro também deixo o café,agora frio,que jaz na garrafa térmica e celebrou o fim da reunião e também largo a mesa,ainda desarrumada,melhor ainda se sobre ela estiver uma toalha manchada de molho ou calda de compota. 
  Com isso onde vocês podem enxergar relaxo ou desmazelo onde eu enxergo beleza e poesia , meu jeito de parar o tempo nas lembranças palpáveis de momentos felizes pois são assombrosas e tediosas as segundas- feiras depois de longos feriados ou fins de semana caudalosos de pequenas felicidades.
   Essa obsessão de lavar louças e apagar resquícios dos momentos felizes só pode ser lobby das fábricas de detergentes que inventaram essa obrigação de lavar tudo depois dos festejos. Deixem-me pois com os restos e cacarecos dos felizes aniversários e dos votos de muitos anos de vida. Deixem-me com os fragmentos de natais, fins de ano e domingos de páscoa porque cada mancha na toalha- melhor ainda se for de linho - é uma história a ser contada entre migalhas de pão e farelos de tortas e de bolos.
    O meu jeito de parar o tempo não é tirar uma foto, posar para um retrato e sim cultivar a lembrança física - e quiçá até malcheirosa- de um jantar,almoço ou lanche da tarde entre familiares e/ou amigos queridos. Até porque, mora na melancolia, aquele ritual ao redor da mesa  pode em certos casos ser o último entre aqueles convivas.Assim sendo lembranças físicas de refeições são mais significativas que fotos. Inclusive sei de casos de gente que guardou para todo o sempore manchas na toalha de um casamento como o troféu que no passado foi o sangue no lençol da virgem na noite de nupcias.
    Não sabemos quando será o último empadão de frango dividido na companhia de um pai ou de uma mãe, nem o derradeiro bolo de fubá cremoso partilhado com uma tia nonagenária.Por isso e muito mais cultivo, adoro e adoto esse meu jeito de parar o tempo.    
     

Comentários

Alessandra Pedruzzi disse…
Maravilhoso, Ricardo!!! Sou criticada por algumas pessoas da minha família por usar tudo: desde a melhor louça, passando pelos talheres, taças, toalhas até servir o meu melhor e mais caro vinho ( dentro das minhas possibilidades, obviamente). É um alento saber como outras pessoas vivem os belos momentos da forma que lhe convém. Seu texto aqueceu a alma que já sofre com o frio das baixas temperaturas do inverno curitibano que se antecipa. Obrigada! Abs
Ricardo Soares disse…
Alessandra ...muito obrigado pelo carinho ( e afinidade) com minha postagem. Isso tb aquece o coração no frio...obrigado, bj

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