CONFISSÕES DE UM MARCADOR DE LIVROS - 6

          

CONFISSÕES DE UM MARCADOR DE LIVROS - 6

 TEM ESCRITORES DEMAIS NO BRASIL ?

 

Há escritores demais no mundo. Ou só no Brasil ? Aqui há o escritor que se ufana de morar na rua e pede que se comprem os livros dele para sobreviver. Há o escritor de óculos escuros que tomou tiros e faz pose de homem mau. Há o escritor cadeirante que conta a triste saga de perseguição politica que sofreu sua família e há o escritor de dezenas de pseudônimos, todos eles anônimos.

         Há também as escritoras, muitas delas. A madame que trabalhou em insignificantes revistas femininas e agora navega feiras literárias oferecendo suas prendas como se grandes novidades fossem. A que mostra as estupendas coxas em leituras dissimuladas como se não estivesse a mostrar as coxas. Há a que faleceu quase anônima numa pousada do interior de Minas e a que flana na Lisboa baixa dizendo, lânguida, porque só descobriu agora seus pendores literários.

         Há escritores e escritoras. Negros e brancos, trans, homos e heteros. Há os que preferem chocolate e os que prefiram baunilha. Os que gostam de expressos curtos e os que curtem cachaça curtida em folhas de açafrão. Há os que cometem literatura de quinta- mão, mas que, ignaros, acham que estão a inventar novidades.

         Afinal, parodiando Caetano, quem lê tanto livro de tanto escritor num país que – dizem as estatísticas- pouco lê ? Para tantos escritores e escritoras há tantos editores e editoras. As sisudas e circunspectas, as que se levam a sério e as que esculacham. As que organizam saraus e sarabandas em tendas literárias, as que promovem caravanas de turismo livresco  sem consistência, as que mantem um pedante conselho editorial que não lê originais de ninguém e as acadêmicas cujo conceito de atualidade só chegou até a semana de arte moderna de 1922.

         A impressão que dá é a de que existe muita oferta para pouca procura. Até prova em contrário assim é se nos parece. No meio de tanto escritor e escritora é difícil achar trigo no aluvião de joio. É difícil essa gente toda achar leitor num país onde se lê cada vez menos. São sempre os leitores dos mais ou menos muito embora aqui não esteja a cobrar síndrome de genialidade de ninguém.

         É importante que se escreva. Mesmo que poucos sejam de fato testemunhas oculares inclusive de suas próprias histórias. Na verdade o Brasil aparece pouco nas narrativas. É muito mais sobre o “eu, eu, eu”. Um eu buscando, um eu errando, um eu raramente acertando. Muito eu pra pouco nós.

         Tanta opção de escritor entedia? Entedia porque é muita mais uma busca inglória, uma dificuldade extrema de discernir entre as brumas da promoção e autopromoção o que há de fato consistente atrás das cortinas de fumaça da “divulgação”. Até porque crítica literária para nos ajudar na trilha já não há. O que existe são poucos e nem tão bons “resenhadores” e “influenciadores” digitais.

         Se tanta opção entedia é mister reforçar que acho bom que muita gente escreva. É legítimo , é direito dos escribas e alegria garantida para muitas editoras ditas independentes que perderam seus critérios seletivos mais em busca de “prêmios” do que de qualidades literárias.

         Tá tudo errado ou está tudo certo ? Sinceramente não sei. O que eu francamente gostaria é que tantos escribas encontrassem a tal multidão de leitores que tanto nos faz falta . Porque senão – parece que isso já ocorre em parte – os escribas estarão sendo lidos apenas por outros escribas . Autofagia superlativa de noite, de tarde, de dia.

Ricardo Soares   15/11/2024- 8 e 21 min

Comentários

Postagens mais visitadas