QUER NÃO ENCONTRAR ALGUÉM? MORE NUMA MEGALÓPOLE

 

QUER NÃO ENCONTRAR ALGUÉM ? MORE NUMA MEGALÓPOLE

        

Não precisa ir muito longe. Se você mora numa megalópole como São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Salvador ou Fortaleza (inclua as suas, a gosto) trace um raio de 30 quilômetros ao redor de onde você mora, o que não é muita coisa , mas o suficiente para você perder de vista grande parte das pessoas com quem conviveu ou amou na vida.  Se por motivos muitos não mantém contato com elas  considere que as perdeu de vista para sempre. Mesmo perto uns dos outros estamos muito distantes.  E isso não é sinal dos tempos. Os tempos sempre foram assim. E a gente é abalroado por essa acachapante verdade quanto mais envelhece.

         Onde estão as pessoas muitas que fizeram parte de nossas vidas, ainda que em momentos distintos? Desaparecem, esvanecem, se escondem de si mesmas e de nós. Pensa um pouco. Eu como muitos tenho amigos/amigas, colegas, afetos e até desafetos que moram no tal raio de 30 kms de minha casa e que nunca mais vi. Em uma , duas, três, até cinco décadas.  Colegas do então ginásio, colegial, primeiros empregos, amigos de primeiras festas e remotos encontros. Onde estão, onde estamos? Perdidos de nós mesmos e não estou falando de gestos voluntários de desencontros quando sabemos que ir a determinado local em determinada hora é fatal que encontremos seres dos nossos passados. Aí não vamos porque é simplesmente um gesto antissocial.

         No que quero me ater, aqui e agora, são os desencontros aleatórios, diários, perenes que se tornam eternos mesmo que por vezes hipocritamente mandemos aquele “salve, vamos nos ver”. Ou seja, o melhor jeito de se perder é residir numa megalópole. Qual a probabilidade de você encontrar alguém do seu passado vivendo na zona sul de São Paulo quando os tais alguéns vivem ao Norte,Oeste, Leste, ABC, Grande São Paulo. Trace a linha demarcatória dos 30 kms e veja se não tenho razão. Como eu disse acima, trace até 20,10, 5, 3 kms e perceba que você não encontrará ninguém se não marcar, fora as exceções raras. Se a vida é a tal arte do encontro, morar numa megalópole é arte do desencontro. E aí esses desencontros tornam-se abismos porque quem não se vê e nem se fala é escavador de abismos.

         Os abismos parecem maiores nesses tempos de vidas e contatos virtuais quando mantemos muitas vezes contato com quem mora a milhares de kms de distância e não marcamos um café com um conhecido que mora quase ao lado  e a gente não vê há alguns anos.

Sinceramente algumas ausências eu lamento na minha vida, mesmo que eu as tenha provocado pelo meu jeito rude de ser. Mas, essa é outra prosa.

         Às vezes sinto tanta saudade de gente que está perto de mim na megalópole como sinto de alguns mortos e seus caminhos tortos. Obvio que o passado a tudo solapa. Soterra a geografia urbana, as músicas, paisagens e cenas antigas. Mas, e o que ficou de bom? vale a pena rever, relembrar, coçar antigas borbulhas e reavivar fagulhas? Tá certo deixar o não dito pelo dito?

         Qualquer filósofo de botequim sabe que as megalópoles são a maior fábrica de solidão de quem se tem notícia. Mas, e quando a solidão é provocada por nós mesmos por medo das decepções que muitos reencontros provocam?

         Toda essa pueril pensata foi provocada por alguns motivos:  um deles o reencontro promovido por uma ex- colega  que juntou  jornalistas atuantes no grande ABC durante a década de 80 ,começo dos 90. Não fui porque estava geograficamente distante, mas se me esforçasse talvez tivesse conseguido muito embora esses encontros não me apeteçam. Tinha inclusive receio de reencontrar gente que nunca mais gostaria de ver. Mas , eles não foram e eu também não. Só que diante de tanta gente legal que compareceu acabei por me arrepender de não ter ido.  Ou seja, a arte do desencontro também traz as nossas impressões digitais.

         Pra fechar com chave de algodão doce tudo isso tem a ver, suponho, com a perspectiva de espelho retrovisor que muitas vezes damos às nossas vidas. O sentimento de que o melhor ficou pra trás e na frente só tem pista escorregadia. Pelo sim, pelo não, vou prestar atenção, mas pense comigo.  Quanto maior a cidade, a densidade demográfica, nossos horários e afazeres, maior os desencontros. O que às vezes pode ser uma benção. Mas, desconfio, muitas vezes também pode ser uma maldição que alimenta a solidão.

Ricardo Soares, 25 de novembro de 2024, 17 e 10 – Granja Viana        

        

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