DO QUE QUERO LEVAR
DO
QUE QUERO LEVAR
Da praia do Leme quero levar a sensação
de domingo, calçado em havaianas, no curto trajeto do edifício Nova York na
Gustavo Sampaio até a padaria da esquina da rua Anchieta onde acocorado no balcão eu tome um café grande
com pão em muita chapa e manteiga a observar os passantes , as glórias e
inglórias desse canto de fim de
Copacabana que a todos engana.
Da Vila Paulicéia , em São Bernardo do
Campo, quero levar aquela imagem da grande estrela iluminada no topo do prédio
da Mercedes Benz que me dava a certeza
de que eles fabricavam todos os caminhões do mundo . E também quero levar a
imagem da minha mão direita pegando um sonho mole, grande e cremosão que era vendido pelo seu
Antonio Banguela entre as frestas da grade do colégio onde eu estudava .
Da cidade de São Carlos quero levar a
imagem do meu tio de avental branco a correr a plataforma da estação de trem
aguardando os clientes do seu bar antológico e também quero levar seu sorriso e
simpatia de dentes grandes e corretos e
suas mãos gordinhas que acenavam quando partíamos em uma Rural Willys de volta para casa.
Da Colômbia quero levar o som das
cumbias e vallenatos e aqueles flertes com as mulheres legais sem as quais a
Colômbia não ia sonhar tanto em volta de arepas e ajiacos bem quentinhos. De
Paris quero levar o flaneur entre as galerias , cafés e os pastis tomados
sem pressa num fim de tarde outonal. E de Londres quero levar o cheiro da
comida indiana em Camden Town ou a recordação da triste estátua de Amy
Winehouse com o cheiro de fish and chips.
De Berlim quero levar o impacto de
minha cabeça contra o muro de Berlim e a
passagem sob o portão de Brandemburgo e de Sitges – Espanha quero levar o
festival de cinema fantástico e de Brasília
as muitas sessões agradáveis de filmes brasileiros entre cinemaníacos
saltitantes no tal famoso cine Brasília , às margens do Eixão.
E de Belo Horizonte o que eu levo ? as
comidinhas do mercadão central, o pôr de sol na praça do Papa, o derradeiro
olhar dirigido a um grande amor que sequer me acompanhou quando sai da casa dos
seus pais pelo derradeira vez ?
O que levo de Marselha, Rio Branco,
Porto Velho ou Budapeste eu de fato não sei pois são cidades que não conheci.
Mas, conheci Baependi, Governador Valadares, Belém do Pará, São Luís, Cunha e Guaratinguetá . Também conheci Assis,
Presidente Prudente, Conselheiro Lafaiete e Porto Alegre de onde quero levar a
lembrança de dias frios e botas quentes quando eu pisava chãos gaúchos em busca
da fronteira com o Uruguai.
E do Uruguai, o que levo? A sólida
impressão de que ali queria ter vivido e a visão de uma ex-mulher com um
vestido lilás e cabelos revoltos num final de ano à beira mar quando eu lia a
biografia de Tom Jobim escrita por sua irmã. E da Bahia levo somente seu
cheiro, seu mar e um abraço que não dei em Jorge Amado e sua camisa florida no
aeroporto de Salvador.
E do Goiás levo o gosto do pequi e do
bolo de milho salgado , passeios matinais por um parque arborizado de Goiânia
que não desembocou em outro parque, esse de nome “mãe Bonifácia” lá em Cuiabá.
E do Mato Grosso quero levar a chapada dos Guimarães, a serra do Roncador, a
visão de estradas tão longas e quentes que pareciam conduzir somente a
desertos.
Por fim , senão a estrada fica muito
longa , quero levar de tantos lugares
lembranças de verdes matas e cascatas, marés que foram e que vem , charretes passando, caminhões
estacionados, balsas , pedágios, engarrafamentos . Quero levar abraços de
chegada, lágrimas de partidas , lenços úmidos , documentos amarelados,
certidões frias, histórias quentes, nascentes e poentes, pois assim é a vida.
Do que quero levar são muito mais as chegadas
inteiras do que as sensações partidas.
***
Ricardo Soares, 5 /4/2025
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