Quase extintos com cabelos nada tintos

         




QUASE EXTINTOS COM CABELOS NADA TINTOS

 

Éramos quatro, era para ser cinco, mas acabou não sendo. Ao redor da mesa o Frei, o Paraibinha, o Galinho de Londrina e eu. O almoço no restaurante Feijão do Norte, galeria Metrópole, São Paulo, foi um encontro de dinossauros ,velhos amigos jornalistas que ainda teimam em acreditar em informações sendo transmitidas como uma corrente elétrica, de um para outro, e não como mera mercadoria barata, embalada de qualquer jeito, para consumo rápido e descarte imediato como bem diria, num relato sentido, o poeta Galinho.

         Entre uma porção de risos e, por sorte, poucos sisos a tarde foi entrando na mesa longe da poeira que se levantava ao lado numa reforma de um teto de gesso.   E justamente o Celsinho, o que propôs o encontro, não aparecia. O quinto elemento que devia estar à mesa não vinha.  Mensagens foram enviadas, telefonemas foram dados e ele não deu o ar da graça.  De nós todos o caçula era ele e tínhamos curiosidades acerca de sua vida ali no centro de São Paulo onde morava a poucos metros da mesa onde dividíamos gargalhadas.

         Paraibinha, um fatalista bem humorado, olhou com doce complacência para nossos cabelos ralos e grisalhos e sentenciou : “estamos em extinção”. Não deixou claro se a extinção era física ou o fim de um jeito de fazer jornalismo que, definitivamente, não existe mais. Não compactuamos com as mercadorias baratas em meio a tantas emoções nem um pouco caras.

         O sol outonal iluminava de lado todo o ambiente e a praça Dom José Gaspar logo ao fundo. Éramos estilhaços poéticos comprimidos numa saudável falta do que fazer. Frei voltava de Brasília, Galinho sempre com um olho no pé e outro na poesia e o Paraibinha preocupado com o fato de estar conosco e não vistoriando as obras de sua nova casinha, lá no Ipiranga.

         Um pouco antes das quatro e meia da tarde propus que partíssemos ,apesar da prosa tão boa, porque eu tinha que enfrentar o calvário de subida da rodovia Raposo Tavares em direção ao lugar onde habito.  Meio contrariados fomos para a estação República , nos despedimos do Frei que ia continuar no centro velho, flanando.  Descemos juntos ao Metrô e Paraibinha desceu antes, creio que na Paulista. Fiquei eu e o Galinho e todos nós,aviso, ainda intrigados com a ausência do Celsinho. Prometemos a nós mesmos novos encontros e despedidas.

         Mais tarde, já em casa,  todos soubemos porque o Celsinho  não compareceu.  Pegou um bonde sem volta e a sensação que temos - estar dentro de um filme sobre uma era que está chegando ao fim-  se reforçou . Clichê ou não me senti como no encerramento de um filme argentino, um conto de Raymond Carver ou mesmo do Gabriel Garcia Marquéz.  Estamos mesmo em extinção como apregoou o Paraibinha. Que era dos aflitos, que apitos de fábricas que não se escutam mais , que solidez antiga que se desmanchou no ar.  Que o Celsinho descanse em paz. Que nos encontremos em almoços outros, etéreos e em outros planos. Nós que aqui estamos por vós esperamos. Ou nós que aqui ficamos para lá um dia vamos. A extinção parece continuar sendo ainda a única certeza de nossa (des)humanidade.

 

Ricardo Soares, 3 de junho de 2025

Comentários

Postagens mais visitadas