NOSSA SENHORA DA BOA MIRAGEM
NOSSA SENHORA DA BOA MIRAGEM
Para ver além da vertigem
do poema
Enxergar o ente
querido morto,
Toda forma de
visagem
O oco, o tosco,o encantado
O lado B do pecado
Nossa senhora da
boa miragem
Guiai-me entre as migalhas
do amor
Do ódio, do tédio
E me dê dias escuros
Para que eu valorize
os claros
E também me dê
rolhas
Para tampar meus vinhos
Ouvidos tronchos
Para não ouvir tolices
E chá de menta
Para digerir as
maldades
Nossa senhora da boa
miragem
Me dê olhares
esguios
Versos de Vinicius,
Ventos que vem do
mar
Lobos saudosos que uivam
Noites profundas
Dias chuvosos
Creme para as mãos
Cascos para os pés ladinos
Ferraduras duras para
coices necessários
Dai-me livros
Pequenos sustos de alegria
O coração dos
justos
Os véus da alegoria
Nossa senhora da
boa miragem
Me dê óculos bem
focados
Precisas cartas
marítimas
Números que convergem
entre si
Uma boa gema seca
No meu ovo com pão
Dai-me também um cão
Não um, mas muitos
Que me sigam quando
estou sóbrio
Mas também quando caio
à deriva
me dê um gato
Um pato
Uma estiva
Preencha minha cabeça
Com fatos que um dia
eu possa esquecer
Mas me lembre do
fundamental
Sou pedra, sou pau
Desfiladeiro sem água
Cobra rasteira
Garapa da cana
Pastel bem servido
Bom recado que
aquece o ouvido
Por isso dai-me o repente
atrevido
A verve do poeta
ligeiro
A argúcia do
sanfoneiro
O primitivo pincel do
naif
Dai-me o sono
necessário
O sobressalto que posa
certeiro
O grafite mais sujo
do banheiro
Por trás da porta eu
monto guarda
A guarda é passada
em revista
Céu e inferno batem
continência
Dai-me então a
paciência
Para com os rituais
obtusos
Os sinais que caem ,
confusos
Dai-me , enfim, toda
a extensão da viagem
Nossa senhora da boa miragem
Paris - 26/01/2016
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