NUM VELHO CADERNO LLAY-LLAY E HUMBERSTONE

 


         NUM VELHO CADERNO LLAY-LLAY E HUMBERSTONE

 

Por mais que a delirante imaginação de ficção científica estilo  Júlio Verne a Isaac Asimov tenham passado sobre o tema e suas variantes eu ainda desconheço se existe método mais eficaz em viajar no tempo do que achar um caderno velho com anotações antigas. Isso é uma capsula do tempo palpável, real e ,digamos , estranhíssima. Que o digam donos de sebos que também acham impressões e anotações de remotos proprietários dentro de livros do passado.

         Isso posto sempre me espanto quando acho , aleatoriamente, cadernos antigos e perdidos nos meus sempre desorganizados alfarrábios pessoais. O último achado foi um caderno de capa dura em excelente estado de conservação onde pude ler um amontoado de anotações esparsas e mal organizadas acerca de uma viagem que fiz de 31 de maio de 1982 a meados de junho do mesmo ano e que percorreu milhares de quilômetros entre Uruguaiana no Rio Grande do Sul até Lima no  Peru.

         A viagem foi organizada pela Scania que havia vendido ao governo peruano um lote imenso de caminhões e ônibus e (feita as contas) considerou que era mais viável enviar a “encomenda” via terrestre , em um imenso comboio, do que mandar por navio . Para acompanhar tal missão a empresa convidou meia dúzia de jornalistas da área de transporte para seguir a saga. Eu era um deles, um jovem repórter de 22 anos – que completou 23 em plena viagem, no interior do Chile- que então não tinha migrado  para o jornalismo cultural e trabalhava na Bloch Editores que publicava  uma revista para caminhoneiros chamada “Boléia”.

         Foram dias divinos. Esquisitos, reveladores e mal anotados no caderno que eu citei porque apresentam muitas lacunas , frutos da minha pressa ou desatenção e que misturaram impressões pessoais com anotações técnicas para as reportagens que posteriormente redigi.

         E por que esse “achado”, essa capsula temporal me causou tanta espécie depois de reencontrado? um dos motivos foi o de restaurar memórias de fatos e achados geográficos dos quais não me recordava como a existência da bela e diminuta cidade chilena chamada Llay- Llay  ou a cidade fantasma de Humbestone – entre Iquique e Arica, também no Chile – em plena rodovia Panamericana que segue sendo “fantasma” conforme pontifica o “são Google”.

         Eu poderia ficar aqui mais tempo pontificando sobre as curvas e retas imensas dessa memorável viagem que o velho caderno me trouxe de volta. Mas, seria apenas uma narrativa ficcional a essa altura dos acontecimentos. O Chile visto nessa rota por sorte não é mais o hediondo país de Pinochet que tinha uma segurança e vigilância muito mais rigorosa que a Argentina , então imersa na Guerra das Malvinas. Tampouco o Peru é o mesmo. Eu mesmo não sou aquele, logico.

         Na longa estrada da vida onde fui correndo e não pude  parar – parodiando aqui Milionário e Zé Rico – mais de quatro décadas se passaram e milhares de quilômetros foram rodados mas o velho caderno voltou à luz para sedimentar ainda mais o que resta desses pouco mais de 20 dias que ficaram na memória para sempre. Rodovia Panamericana- mar de um lado e o deserto de Atacama do outro, uma das recordações mais fortes- a cidade peruana de mineração chamada La Oroya onde se fazia contato com discos voadores e muito mais resíduos de memória estão nos meus acostamentos – recordações.  Reforçando a máxima do poeta Wally Salomão que dizia que “a memória é uma ilha de edição”.

Ricardo Soares- 23/07/25

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