Cadernos, caderninhos e cadernões
CADERNOS, CADERNINHOS E CADERNÕES
Minha vida toda – para ser
preciso desde os 10 ou 11 anos – tenho escrito em cadernos, caderninhos,
cadernões, blocos de anotações e os meus registros de passagem sobre a Terra (como
diria Arthur Bispo do Rosário) ficaram
registrados neles. No começo em caligrafia redonda e legível e com o correr dos
anos em garatujas muitas vezes indecifráveis para mim mesmo.
Não me atreveria a dizer
quantos são esses cadernos e nem porque na maioria das vezes eles não foram
preenchidos até o final. Deve ser um traço da minha zoada personalidade. Por
outro lado, boa parte do que escrevi foram nesses cadernos. Ou em todo (as
poesias principalmente) ou em parte.
São cadernos de
diferentes tamanhos e formatos que começaram – ao que eu me lembre – com registros
dos acontecimentos jornalísticos , em
forma de diário, de tempos idos e vividos em meados e finais dos anos 70.
Alguns desses “instrumentos” de registros se volatizaram. Sumiram da face do planeta.
Os muitos que restaram são um inventário de mim mesmo. Poucas anotações de
cunho pessoal. A maioria pretensão de registrar , literariamente falando,
aquilo que eu via e sentia nas diversas fases da vida.
E por que eu falo disso
agora aos 66 anos ? porque me levanto e descubro no espelho que o senhor que
ali aparece ainda enxerga o menino que foi , muito antes
de ter uma vida de jornalista e, vá lá, escritor. Com seus altos e seus baixos.
Com suas ilusões passageiras que brisas primeiras e últimas levaram. Com a
ilusória sensação de relevância, reconhecimento crítico ao ostracismo de hoje do
qual creio ter culpa grande em virtude da vocação de ranzinza, reclamão e “desajustado”
ao mercado. Mas, essa é outra prosa e pode parecer vitimista. O que vale aqui é
contar sobre a pilha dos cadernos, caderninhos e cadernões.
Neles estão dezenas de
contos inacabados, poesias de qualidade duvidosa, esboços de romances jamais
concluídos ( como o razoável início de “ Não voltei de Luanda”) e , surpreendentemente para mim, pouco ou
quase nada de anotações profissionais como detalhes de entrevistas que fiz ou
decupagens de documentários que realizei ou mesmo anotações de viagens remotas
como as que achei semanas atrás e davam conta de passagens entre Argentina,
Chile e Peru na rodovia Panamericana em
1982.
A essa altura da vida
devia dar cabo de tudo isso lançando tudo no fogo da lareira que aquece parte
da minha casa. Mas, cadê que dou conta? Vai que acho ,ainda, algo que preste
como o ensaio de um ensaio anarquista que escrevi em 2016 inspirado pela “alma do homem sob o
socialismo” do bom e velho Wilde.
As “surpresas” que esses cadernos revelam são na maioria nada surpreendentes. Coisas ruins que deveriam ter sido esquecidas mesmo. Mas ,adoro invenção de surpresas como diria um título de remoto livro de poesia que publiquei em 1982. Voltarei ao assunto conforme for destrinchando toda a maçaroca que está aqui no meu entorno. Anos e anos de escritos. E tudo amarrado , sem fitas vermelhas de presente, numa sensação de doce urgência pois ando com a intuição que não tenho mais tanto tempo. Nada de alarmismos, só a certeza de que há muito mais coisas que escrevi do que virei a escrever. Fatalismos pseudopoéticos de um certo entardecer. Inclusive da vida.
Ricardo Soares, 12 de agosto de 2025, 15 e 14 min
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