EBC : ESFORÇO GRANDE PARA MULHER PEQUENA
republicação de texto anteriormente publicado no Quarentena News em 14 de outubro. Por conta de muitos acessos compartilho aqui tbm.
EBC: ESFORÇO GRANDE PARA MULHER PEQUENA
“Memória
de um desafio”, livro da jornalista Tereza Cruvinel onde narra, segundo seu
prisma, a “criação da EBC”, cita , logo na epígrafe, um trecho de poema de
Fernando Pessoa que diz : “o esforço é grande e o homem é pequeno”. Sim, a
mulher também é e no caso dela não falo de sua estatura e sim da tal memória do
desafio que pode ter sido , mas foi profundamente seletivo na ótica dela o que a diminui. À guisa de Rubens Ricupero ela
entra na onda da histórica frase “o
que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde".
Quando o livro chegou (por empréstimo) às
minhas mãos pensei em modestamente fazer uma resenha dele. No entanto ao ler
desisti diante de tantas falácias nele embutidas e também seguindo conselho de
prezado amigo que conviveu com a autora e ,bom de política , me disse ao saber
da minha intenção : “Dei risada da dificuldade que você
terá para resenhar essa história. Fico até pensando se deveria…se ela não
praticar nenhum desatino absurdo… talvez seja melhor deixar a versão dela de
sua curta história na comunicação
pública morrer no anonimato junto com sua pequenez hedionda”. Pequenez hedionda
é forte , mas , convenhamos, dona Cruvinel fez por merecer.
E assim se fez durante todo o livro ,
uma “obra” que é um ajuntamento de memórias, atas, fatos e não fatos onde ela declara estar contribuindo para a
discussão acerca da comunicação publica no Brasil quando faz seu inventário
pessoal da criação e implantação da EBC ( Empresa Brasil de Comunicação),
missão dada pelo presidente Lula (no começo de seu segundo mandato) ao seu
então ministro chefe da Secom, o
jornalista Franklin Martins que, aliás, assina um protocolar prefácio do livro.
Ao que consta -e Franklin reitera- o ministro
escolheu Tereza para presidir a nova empresa pública porque ela se “ofereceu”
para a missão. O clássico caso de “não tem tu, vai tu mesmo” muito embora seja
bom ressalvar que Cruvinel, apesar dos seus defeitos, teve importante papel na
articulação politica nos bastidores de Brasília para viabilizar a empresa .
A
EBC surgiu como um Frankenstein que empilhava a Radiobrás e a TVE do Rio –gerida
pela fundação Roquete Pinto- mas não houve o tal “fiat lux” que a autora
imagina quando tomou posse. Antes o contrário porque desde o começo de sua
gestão a “presidenta” (não sei se conscientemente ou não) fomentou a divisão
entre a “turma do jornalismo”, a dela, e a turma do audiovisual com Orlando
Sena e Leopoldo Nunes à frente. Eu tomei parte desta segunda turma a convite do
amigo (e experimentado profissional de tv) Walter Silveira e do Leopoldo.
Era
um grupo que vinha atuante desde maio daquele ano de 2007 quando foi realizado
o fórum nacional de tvs públicas, organizado pelo Ministério da Cultura,
encabeçado pela dupla Gilberto Gil e Juca Ferreira. O encontro resultou na
“carta de Brasília” que inspirou o governo Lula a criar uma tv pública
nacional. O próprio presidente, que discursou no evento, se comprometeu com a
proposta e ao fim daquele ano, exatamente no dia 2 de dezembro, nascia a EBC.
Tereza se ofereceu para presidir a empreita ao
Franklin mesmo sem ter nenhuma experiencia na televisão, muito menos em
comunicação pública e mesmo em chefia. Era o prenuncio do fiasco que viria,
mas, sejamos justos, não só por culpa dela. O cabo de guerra entre as duas alas
que disputavam o poder desde o início da EBC foi contaminando corações e mentes
somadas as dificuldades administrativas, sobretudo a maldita lei 8666 que não
permitia a compra nem de grampeadores sem licitação criando longos processos
burocráticos o que dificulta o desenrolar das atividades de uma empresa de
cunho audiovisual. A EBC era um Titanic cheio de furos no casco tentando
driblar inúmeros icebergs muitos deles colocados no caminho pela própria
truculenta presidenta.
Tereza
nunca foi de dar bons dias e boas tardes aos colaboradores e não me lembro de
constar no seu vocabulário as palavras “por favor”, “obrigado” ou assemelhadas.
Pelo menos na minha curta convivência com ela nunca ouvi. Isso sem contar com
seu sempre péssimo humor ou, no mínimo, seu humor mercurial para tentar ser
gentil com a personagem.
Seguindo
a linha de ser “gentil” admito que se há algum mérito no livro , especialmente no seu início
, é organizar cronologicamente toda a história da radiodifusão pública até
chegar a criação da EBC em 2007. Apesar do
texto chato, gongórico e
relatorial é uma cronologia precisa que pode auxiliar quem se interesse pelo
assunto .
No
mais o livro alinhava desafetos da presidenta (alguns não estão mais vivos para
se defender) e bajula seus apoiadores e vassalos e a autora perde um tempo
considerável para esculhambar a atuação do conselho curador que a depôs e não a
conduziu a um segundo mandato. Ela sempre tenta explicar suas “boas intenções”
e concluo: tivesse feito menos política e mais rádio e televisão talvez os
passos iniciais da EBC não tivessem sido tão equivocados.
A
radiodifusão publica e a própria EBC merecem um livro-análise menos parcial e
truncado do que esse da dona Tereza.Mas, convenhamos, é direito dela reescrever
a própria história com seu viés “recuperiano”.
Assim como é meu direito contrapor seus fatos e versões como testemunha
ocular da história inicial , gerente de produção no Rio de Janeiro, um quadro dentro da diretoria de programação e
conteúdo que ela ignora no seu relato como se a empresa fosse só jornalismo.
Aliás, um jornalismo que nunca entendi porque não apostou na inovação inclusive
formal e em pautas mais arrojadas, condizentes com o “espirito público”. Ficou
no mesmo modelito do jornalismo convencional praticado pela mídia hegemônica.
Mas, essa é outra discussão.
Tereza
Cruvinel perdeu-se no personagem e eu espero não ter feito uma resenha do livro
– como não pretendia- e sim ter reunido alguns argumentos para contrapor aos
dela porque considero o livro um equívoco. Ela perdeu a chance de contar a
história como foi e não como ela supõe ter sido. No entanto não tenho a menor
esperança que a arrogante senhora que se tem em alta conta faça qualquer
autocritica.
Por
fim , apesar de nem eu nem os integrantes da diretoria que lhe desagradava
termos sido creditados por alguns dos sucessos que ela própria aponta no
período de sua gestão inicial da EBC (como o “Samba na Gamboa, apresentado pelo
Diogo Nogueira) devo dizer que o modelo
inicial de toda essa empreita era a BBC e nunca chegamos perto. Mas, estamos
juntos, eu e ela e muitos dos seus desafetos, no desejo de reconstrução da EBC,
desfigurada nas gestões Bolsonaro e Temer.
Ricardo Soares é
diretor de tv, roteirista, escritor e jornalista. Publicou 10 livros, dirigiu
12 documentários e foi gerente de produção da Tv Brasil entre 2007 e 2009 e
diretor de programação e conteúdo da EBC entre abril de 2013 a outubro de 2014.
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