VEJO O RIO COM OLHOS DOS SEUS ESCRITORES
João do Rio, cronista primeiro do Rio de Janeiro
VEJO
O RIO COM OLHOS DOS SEUS ESCRITORES
Sempre olhei ruas,
recantos, praças e até praias do Rio de Janeiro com os olhos de escritores, sobretudo
os do passado. Não saberia dizer quando começou a mania, mas quando andava
pelas ruas do Leme, mesmo que de mãos dadas com uma namorada trigueira e
faceira , dona dos seios mais lindos da cidade, eu ficava a pensar o que
conversavam por ali Clarice Lispector e
Paulo Mendes Campos (de mãos dadas?) por coincidência dois dos meus autores de
vital preferência.
Em
outras direções fico a meditar o que falava nas cercanias da rua Duvivier o poeta Ferreira
Gullar ou em Ipanema , num apartamento de cobertura, o casal de escritores
AfFonso Romano de Sant’anna e Marina Colasanti. O que esbravejava o João
Antonio não muito longe da adega Pérola ou o introvertido poeta Carlos Drummond
de Andrade, célebre morador da rua Conselheiro Lafaiete ? E outro mineiro ,
escritor maneiro, o risonho Fernando Sabino que celebrizou outro endereço na
rua Canning?
Tentar
ver e até ouvir o que tantos célebres homens e mulheres das belas letras
percebiam sempre me pareceu um exercício saboroso mesmo quando encontrei as lápides
de alguns deles no cemitério São João Batista. A chegada até essa última morada
eles decerto não viram. Ou será que sim ?
Mais
para longe no tempo fico querendo ver o Rio com os olhos trágicos, mas também
poéticos, de Nelson Rodrigues e mesmo o
olhar complacente para com os ricos e poderosos do fim do século 19 que tinha o
mestre Machado de Assis, negro e epilético que talvez se julgasse branco e sem
mazelas com sua acuidade para retratar a nobreza branca e esquecer a pobreza
dos pretos . Na mão contrária com que olhos desvairados via o Rio o “nosso”
Lima Barreto ou como Rubem Braga enxergava a cidade vista de cima desde sua cobertura
ajardinada perto do morro do Cantagalo?
Muitos
desses escribas viram a cidade com olhos carinhosos, zelosos ou mesmo gostosos
para ficar aqui em rimas óbvias que induzem a mistérios gozosos. Assim como viu o João, aquele do Rio, João do
Rio, cronista primeiro , passando sob os arcos da Lapa entranhado
numa vida que hoje não existe mais. E o Carlos Heitor Cony que saia da revista
Manchete, no Flamengo e ia encontrar os amigos no finado bar do Hotel Novo
Mundo?
Tanta
gente talentosa que inclusive ajudou o Rio de Janeiro a definir sua identidade (literária
ou não) e dissecou tantos hábitos, palavras e tentações que ficaram como
penduricalhos no imaginário coletivo brasileiro. De todos os aqui citados encontrei
com alguns (profissionalmente ou não) lá no Rio e nunca me ocorreu perguntar
como viam a cidade além do que sobre ela escreviam. Não perguntei isso nem para
o robô nada efêmero de nome Fausto Fawcett quando o encontrava casualmente no
finado Cervantes. Mas, nem precisava. Tudo o que cantou e contou sobre o Rio
está escancarado. Rio 40 graus, cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos.
Ricardo Soares, 29 de setembro de 2025, 17 e 25 min
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