Mário Quintana- café e cigarro ao lado da Mário de Andrade
Mário Quintana
Café e cigarro ao lado da Mário de Andrade
Era
um senhorzinho calado, aparência frágil, tossia um pouco e tinha toda a estampa
de um avôzinho ex-funcionário público daqueles que esperam um abono
aposentadoria para poder apostar mais nos cavalinhos do Jóquei Clube.
Encostados no balcão de um bar modesto ali perto da praça Dom José Gaspar ele
era de poucas palavras e eu sabia um pouco de sua vida como o fato de ter
traduzido Proust e de ter trabalhado na farmácia do pai quando jovem.
O senhorzinho tinha sido homenageado momentos antes num salão da Biblioteca Mario de Andrade, mas estava um pouco enfarado de tantos salamaleques e talvez para fugir da turba convidou o imberbe que eu era- em todos os sentidos- para um café com pouca prosa num bar pouco cerimonioso. Olhava para ele , não sabia muito o que dizer, mas tinha noção de que estava diante de alguém muito especial. Daqueles que depois de morrer ficariam vivos por muito tempo. Tragou , fumou, tragou , fumou, olhou pra o vazio e falou pouco . Não se esforçou em contornar minha falta de assunto e eu não sabia se ficava constrangido ou apenas desfrutava daquela insólita e inesperada companhia. O que sabia naquele momento é que estava diante da verdadeira imortalidade. Aquela que transcende a vida terrena e para a qual ele parecia não dar a menor importância. Meus amigos poetas jamais acreditariam naquele encontro naquela noite chuvosa de 1976 onde ele deixou escapar uma inconfidência quando confessou estar feliz porque a atriz e também poeta Bruna Lombardi lhe dedicou palavras gentis e pareceu não estar saudoso de Porto Alegre de onde havia vindo e onde vivia. Naquele momento, com os olhos baços e úmidos, imaginando ainda versos impalpáveis ele parecia mais do que nunca o poeta Mário Quintana que viria a morrer 18 anos depois sem ao menos se dar conta de que transformara a minha relação com a poesia brasileira. Naquela noite eu percebi que ela era mortal mesmo que imortal parecesse.


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